1. Lançamento da Guerra ao Terror
No dia 11 de setembro de 2001, aconteceu o ataque terrorista às Torres Gémeas e ao Pentágono, posteriormente reivindicado pelo grupo terrorista «Al-Qaeda». Para o estudo do Terrorismo, no âmbito da Geopolítica e Geoestratégia, este acontecimento modelou por completo a forma como o mesmo passou a ser visto.
Como resposta, Bush, o então Presidente dos EUA, lançou a chamada “Guerra ao Terror”, nove dias depois do ataque, em pleno Congresso dos EUA, o Presidente fez o seguinte discurso:
“Our war on terror begins with Al-Qaeda, but it does not end there. It will not end until every terrorist group or global reach has been found, stopped, and defeated…” (Bush, 2001)
Neste sentido, de acordo com Adam Roberts (2005) o termo «Guerra» não foi usado numa dimensão puramente retórica, como o exemplo da «Guerra às Drogas» ou «Guerra à Pobreza». O termo é utilizado como uma forma de denominar uma ampla campanha de luta contra o terrorismo, que inclui o uso de todos os “instrumentos de poder nacional – diplomáticos, económicos, judiciais, financeiros, informação, inteligência..” (The White House, 2003). Para além dos mecanismos citados anteriormente, também se alocou uma forte componente militar, como no caso do Afeganistão.
A invasão do Afeganistão é facilmente explicada, tendo em conta a experiência prévia de ação contraterrorista. Os Estados que sofrem de ataques terroristas acabam por criar fortes motivos para resolver o problema na sua fonte, dessa forma, passam a ver com alguma suspeita, os países onde se estabelecem esses movimentos (Roberts, 2005:115).
Numa outra perspetiva, oferecida por Andréani Gilles (2004), há fortes razões para a guerra contra o terrorismo se estabelecer. Por um lado, pela primeira vez na história do terrorismo, um ataque desencadeou um nível de violência somente comparável a guerra, em termos de efeitos imediatos. Por outro, os EUA encontraram-se em guerra, em termos psicológicos.
No entanto, conforme Roberts (2005) sublinha, de nenhuma forma, a estratégia dos EUA referiu-se a natureza do grupo, provocando um ambiente de confusão, sem precedentes, face a que meios utilizados e à sua eficiência.
Neste sentido, o presente texto vai procurar fazer uma análise histórica do fenómeno do terrorismo, e de como era combatido. Desta forma, vou-me referir à tipologia dos atores que optam pelo uso de terrorismo, qual o seu objetivo e em que ambiente surgem. De seguida, abordarei ao aparecimento de grupos como a «Al-Qaeda» e o «ISIS – autoproclamado Estado Islâmico», que levou à formulação de um novo género de terrorismo. Assim, o principal objetivo deste ensaio será de demonstrar que, contra novas formas de terrorismo, apenas os meios convencionais de fazer a guerra, não só não garantem o sucesso, como também se podem tornar contraprodutivos.
2. Terrorismo em perspetiva
Tal como muitos termos abstratos, o terrorismo é um conceito confuso, por significar muitas coisas ao mesmo tempo, é perigoso, porque se torna num instrumento de propaganda, e indispensável, porque caracteriza um ambiente de ameaças reais à sociedade (Roberts, 2005: 101).
O autor relacionou o terrorismo com o uso sistemático de violência, por grupos não-estatais, designados a instaurar o caos, medo e submissão a um alvo civil, para influenciar um governo a certas medidas.
Para evitar o risco de simplificar demasiado esse fenómeno, o terrorismo pode ser caracterizado de várias formas, tendo em conta a sua história. Em primeiro lugar, o terrorismo pode ter consequências não intencionais, como transformar o panorama político, ou debilitar o inimigo. Em segundo lugar, pode assumir um caráter endémico, devido à sua existência não oficial nas comunidades. Em terceiro, as campanhas antiterroristas podem atingir resultados. Em quarto lugar, necessita de atitudes sensíveis por parte dos governos. Em quinto, trata-se de adaptar o enquadramento legal, para respeitá-lo. Sexto, a importância do tratamento correto dos detidos. Sétimo, ver este fenómeno como um problema e não um mal. Por fim, em oitavo, existem semelhanças entre os adversários, no que toca à informação que é transmitida (Roberts, 2005: 106-113).
O terrorismo causa, assim, muito mais dano quando praticado num Estado democrático. Neste sentido, o maior inimigo para as democracias são os atores não-estatais. Estes, de acordo com Wilkinson (2011), podem ser caracterizados em grupos: etnonacionalistas; ideológicos; religioso-políticos e os chamados “single-issue”, como os grupos extremistas para o ambiente (Wilkinson, 2011; 7).
Uma grande distinção que se pode fazer no terrorismo está relacionada à forma como se pode lidar com ele. Por um lado, o terrorismo corrigível assume a possibilidade de um acordo político e diplomático que põe fim às reivindicações. Por outro, o terrorismo incorrigível presume a incapacidade de um acordo devido às ambições extremistas dos grupos que praticam o terrorismo (Wilkinson, 2011: 8).
Brian Jenkin, conforme foi mencionado por Wilkinson, define o terrorismo como uma “weaponry system” (Wilkinson, 2011: 10). Este enquadramento é muito importante, porque o terrorismo é uma tática que grupos insurgentes usam, inseridas num vasto leque destas. Por exemplo, Wilkinson (2011), enumera a Guerra Convencional (um embate direto de forças num campo de batalha), a Guerrilha (conjunto de emboscadas realizadas a militares para desorganizar), a Sabotagem (conjunto de emboscadas realizadas a infraestruturas) e o Terrorismo (direcionado aos civis).
3. A nova era de Terrorismo
Na época da Guerra Fria, o terrorismo tinha um senso de ideológico, promovido pelos ideais Marxistas (Rich, 2003: 39). E a partilha de inteligência, como no caso Europeu, tratava-se de uma estratégia bem-sucedida. No entanto, com o aparecimento de grupos como a «Al-Qaeda», com uma rede internacional, criaram-se desafios às estratégias convencionais. Para Paul Rich (2003), no pós-Guerra Fria, o terrorismo evoluiu de forma a tornar insignificante objetivos políticos, tornando-se “pointless” (Rich, 2003: 42), já que não vai ao encontro de um objetivo específico e geralmente é seguido por um discurso fundamentalista religioso, que é exótico e ainda mais abstrato.
Neste panorama, surgiu o ISIS, que de uma mera filial da «Al-Qaeda» se afirmou no panorama estratégico do Médio Oriente, como um Califado Sunita, cujos inimigos eram não só os “invasores americanos” (Hashim, 2014: 71). Ao contrário da «Al-Qaeda», o «ISIS» não procurava o apoio das populações nas zonas que controlava, procurava uma total limpeza étnica, já que considerava os muçulmanos shiitas como os verdadeiros inimigos.
O «Estado Islâmico» foi acumulando cada vez mais poder quando se aproveitava da destruição causada pela instabilidade no Iraque e a Guerra Civil da Síria (Hashim, 2014: 79). Consequentemente, o «ISIS» passou de um grupo terrorista com centenas de terroristas, para uma organização para-estatal, encabeçada por um pseudo-governo, que controlava infraestruturas, linhas de comunicação e tinha um vasto exército de cerca de trinta mil soldados, comandados por generais desertores do regime de Saddam Hussein (Cronin, 2015: 88).
Uma das mais proeminentes táticas de projeção de terror, conforme refere Simone Friis (2015) praticadas pelo «ISIS», era o assassinato de jornalistas estadunidenses, que era precedido por um discurso no qual se ameaçava os Estados Ocidentais em desistir das operações militares nos territórios do Iraque e da Síria.
O problema que surge neste contexto, é que a reação mais lógica das sociedades, face à exposição direta a provas de que há uma guerra a decorrer, é a demanda por uma intervenção robusta, escalando a ação militar e fazendo passar uma crise por uma verdadeira guerra (Friis, 2015: 746).
4. O papel das Forças Armadas
A maioria das democracias detém Forças Armadas sofisticadas, que incluem as Unidades de Operações Especiais, especialmente treinadas e equipadas para lidar com problemas causados por táticas não convencionais de guerra, terrorismo, guerrilha ou sabotagem (Wilkinson, 2011: 101).
Para Jean Elshtain (2007), os grupos terroristas, através da sua ação, destroem a noção de uma sociedade civil livre, na qual há espaço para entidades sub-estatais interagiram pacificamente com os Governos. Nesse sentido, a autora refere-se ao conceito de “RTP – Responsibility to Protect”, que deriva das normas internacionais e legitima a intervenção militar externa num Estado, onde haja suspeitas fundamentadas de possíveis ataques a civis.
Do mesmo modo, Wilkinson (2011) também reforça o argumento de Elshtain, referindo-se às principais vantagens do uso de Forças Armadas. O seu uso é acompanhado por uma robusta mediatização, como resposta às demandas populares de tomar ações diretas. Uma guerra convencional permite infligir não só os terroristas, como também os seus patrocinadores, o que garante a quebra de financiamento, e passa-lhes, simultaneamente, uma mensagem de “deterrence”. Por fim, causa fortes danos psicológicos à liderança terrorista, cuja consequência pode ser a perda de poder (Wilkinson, 2011: 102).
Neste sentido, pode-se colmatar que a conjuntura internacional de luta contra o terrorismo passa por tempos em que a justiça não pode ser praticada senão acompanhada por força coerciva, capaz de instalar a ordem (Elshtain, 2007: 137).
5. Dilemas da Coerção Armada
Apesar da necessidade de reagir rapidamente, através da guerra, ao terrorismo, a «Guerra ao Terror» mostrou um conjunto de problemas colaterais, porque as operações antiterroristas, quando adotam uma vertente de guerra aberta, acabam por levar à tragédia (Roberts, 2005: 115).
Assim, Andréani Gilles (2004), alude a um conjunto de problemas que a «Guerra ao Terror» criou. Como ponto de partida, declarar guerra aos terroristas, significa dar legitimidade às suas ambições, reforçando o dilema “Warriors or Criminals?” em relação a estes. Em segundo lugar, a alocação do termo guerra submete para a necessidade de definir um teatro de operações e separar definitivamente a linha entre a vitória e a derrota. Contra o terrorismo, essas certezas, tornam-se indeterminações, tornando-se em, simplesmente, num discurso desassociado com a realidade. Um outro problema, é o tratamento que se vai dar aos detidos. A Lei define-os como criminais, já o ambiente de guerra define os terroristas por combatentes, principalmente no caso do «ISIS», que detém um exército ativo (Andréani, 2004: 34-41).
Para Michael Howard (2002), a «Guerra ao Terror», é uma estratégia errada, porque define a ação militar não como o último recurso, mas como a primeira escolha, o que coloca de lado a capacidade institucional da ONU, como órgão capaz de gerir crimes internacionais. Este autor ainda acrescenta que os terroristas se encontram numa posição de “win-win”, quando as autoridades lhes declaram guerra. Porque, por um lado, ou conseguem vencer as autoridades e causar dano de magnitude extraordinárias, ou, por outro lado, são derrotados e vistos como mártires, ou “Freedom Fighters” (Howard, 2002: 9 e 12).
6. Conclusão
O terrorismo, em todo o seu abstracionismo enquanto conceito, é uma ameaça direta à segurança não só da Ordem Internacional, mas também do indivíduo. E mesmo com o aparecimento do «ISIS», este fenómeno mutou para uma hibridez entre a insurgência e a guerra aberta.
A «Guerra ao Terror» é, sem dúvida, o maior conjunto de operações de combate a este fenómeno. E tem motivos bem definidos, mencionados por Elshtain e Wilkinson, que se referem à guerra convencional como um fator chave para alcançar a vitória.
No entanto, assumindo os dilemas que a «Guerra ao Terror» produziram, esta não é capaz de derrotar os terroristas, conforme foi argumentado por Howard, Roberts e Andréani.
Neste sentido, o “novo terrorismo”, resultado da evolução deste fenómeno, não pode ser derrotado por meios convencionais de fazer a guerra, já que, estes, como reitera Adam Roberts (2005), ignoram o histórico da luta contra este tipo de insurgência. Constando-se que, nunca houve uma guerra declarada ao terrorismo, mas sim emergências, nas quais se dotava as forças policiais e os serviços de inteligência de mecanismos extra (como a utilização de unidades militares de Forças Armadas), num ambiente de autoridade civil (Howard, 2002: 8).
Adaptando à realidade atual, Audrey Cronin (2015), itera a necessidade de juntar ao método acima referido, esforços diplomáticos, para ganhar aliados, económicos, para destruir os recursos do «ISIS», e de informação, através da qual se vai passar a imagem do «ISIS» enquanto criminosos e não heróis.
A título de conclusão, apenas os métodos convencionais de fazer a guerra não garantem o sucesso da luta contra o terrorismo, principalmente em forma de atores peculiares como o «ISIS». O sucesso será, mais facilmente alcançado, se os meios civis de segurança forem dotados de mecanismos de atuação especial, podendo ser militares, num ambiente encoberto.
22 de março de 2022
Vitaliy Venislavskyy
EuroDefense Jovem-Portugal
7. Bibliografia
Andréani, G. 2004. “The ‘War on terror’: Good cause, wrong concept.” Survival 46(4): 31-50.
Cronin, A. 2015. “ISIS is not a terrorist group.” Foreign Affairs (March/April): 87-98.
Elshtain, J. B. 2007. “Terrorism, Regime Change, and Just War: Reflections on Michael Walzer” Journal of Military Ethics 6(2): 131-137.
Friis, S. 2015. “‘Beyond anything we have ever seen’: beheading videos and the visibility of violence in the war against ISIS.” International Affairs 91(4): 725–746.
Harshim, A. 2014. “The Islamic State: From al‐Qaeda Affiliate to Caliphate.” Middle East Policy.
Howard, M. 2002. “What’s in a Name-How to Fight Terrorism.” Foreign Affairs 81.
Rich, P. 2003. “A1 Qaeda and the radical Islamic challenge to western strategy.” Small Wars and Insurgencies 14(1): 39-56.
Roberts, A. 2005. “The ‘War on Terror’ in historical perspective.” Survival 47(2): 101-130.
Walzer, M. 2007. “On fighting terrorism justly.” International Relations 21(4): 480-484.
Wilkinson, P. 2011. Terrorism versus Democracy. Routledge, Caps. 1 e 7.
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