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O Fundo Europeu de Defesa: uma Oportunidade para as PMEs Nacionais

Introdução

O presente texto visa apresentar as ações de apoio ao desenvolvimento da indústria europeia de defesa, financiadas pela União Europeia, como uma oportunidade de capitalização, crescimento e internacionalização para as PMEs portuguesas.

A “Estratégia Global para a Política Externa e de Segurança da União Europeia”, adotada pelo Conselho Europeu em 2016, identificou as sérias debilidades com que se debate a defesa europeia, levando à intervenção da Comissão para apoiar a melhoria da Base Tecnológica e Industrial de Defesa.  Para isso, a Comissão aprovou, no final desse ano, o “Plano de Ação Europeu no domínio da Defesa Europeia[1]” em que, reconhecendo que “o mercado europeu da defesa está fragmentado e enferma de uma insuficiente colaboração industrial”, se propõe instituir um Fundo Europeu de Defesa para promover a correção das ditas deficiências.

Após um período experimental, foi aprovado o Regulamento de 2018 do “Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa” (PEDID)[2] definindo o normativo a aplicar, que será usado como evidência da existência das condições necessárias para se dar esse aproveitamento pelas empresas nacionais.

Atualmente o processo está já inserido no Quadro Financeiro plurianual da União Europeia, seguindo no geral as normas do PEDID.

O peso das PME no tecido empresarial português

No presente quadro financeiro plurianual da União Europeia 2021-2027, a verba de financiamento de projetos de desenvolvimento para a área da Política Externa e de Segurança Comum é de 8 biliões de euros. Destes, 2.7 biliões destinam-se a subsidiar, a fundo perdido, ações de investigação para responder a projetos (calls) lançados pela União Europeia e considerados prioritários e necessários para a renovação da base industrial e tecnológica de defesa.

Para além da janela de investigação, está também previsto o apoio ao desenvolvimento de projetos, incluindo a fase de prototipagem, a mais cara e arriscada no desenvolvimento de novas capacidades. Os fundos europeus alocados para a fase de desenvolvimento são de 5.3 biliões e destinam-se a cobrir no máximo 20% dos custos de projetos aprovados.

Um dos condicionamentos mais expressivos para a aprovação do financiamento dos projetos decorre da necessidade de constituição de consórcios com um mínimo de três empresas, num mínimo de três Estados-Membros, o que indicia o esforço da União Europeia em promover a cooperação entres as suas nações, não só na fase de investigação como também de desenvolvimento.

Segundo os censos de 2021, na economia portuguesa podemos encontrar cerca de 1.314.944 PMEs (1.264.086 microempresas, 43.678 pequenas empresas e 7.180 médias empresas), as quais atingem um volume de negócio a rondar os 230 mil milhões de euros e geraram um VAB de 63 mil milhões de euros, no ano de 2020[3].

Os dados mais recentes, referem que 63,3% da riqueza em Portugal é gerada por PMEs, empregando cerca de 77,3% da população ativa portuguesa que se encontra a trabalhar em empresas, valores que sugerem a imprescindibilidade que este tecido empresarial possui para a empregabilidade nacional.

No que toca à componente de inovação, no total de PMEs Portuguesas, “66,4% participam em processos de inovação de produto, serviço, processos, organização, marketing, o que representa o valor mais elevado da Europa. A média da União Europeia fica-se pelos 49,5%. Fonte: Relatório anual das PME 2018-2019 da Comissão Europeia”[4].

Tendo em conta o peso que as Pequenas e Médias Empresas possuem na economia nacional, assim como a sua elevada capacidade inovativa e de desenvolvimento de produtos, serviços e sistemas, e considerando as verbas disponibilizadas pela União Europeia, destinadas a ações de financiamento de projetos, enquadrados na Política Externa e de Segurança Comum, coloca-se a seguinte questão: existem condições (estipuladas no Regulamento do Fundo de Defesa Europeu de 2018) para que as PMEs nacionais capitalizem os fundos europeus para projetos de defesa, e se sim, que condições possibilitam essa capitalização?

Que oportunidades para as PME no Fundo Europeu de Defesa

A publicação em 2016 do Plano de Ação Europeu no domínio da Defesa, apresentado pela então Vice-presidente da Comissão Europeia, Mogherini, em que se urgia uma maior cooperação a nível industrial e financeiro entre os Estados-Membros, e salientava a necessidade de se adquirirem as capacidades mais pertinentes e oportunas para a segurança da união e dos seus cidadãos, levou ao desenvolvimento de várias ações relevantes.

A visão de uma Europa mais segura só poderia se concretizada através de um novo de nível de ambição, que previa uma maior cooperação entre os Estados-Membros de modo a desenvolver a indústria de defesa do continente europeu. Um dos requerimentos para este aumento de envolvência e consideração para com a segurança dos cidadãos da União seria a exploração de melhores e mais amplas opções de financiamento desta atualização industrial, surgindo então o primeiro conceito para a criação de um Fundo Europeu de Defesa. Passados 2 anos é apresentado no Concelho Europeu o Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa (PEDID), destinado a apoiar a competitividade e a capacidade inovadora da indústria de defesa da União.

A primeira diretriz do Programa evidência que este não iria servir de alternativa aos esforços nacionais no domínio da defesa, e que a segurança da União e dos seus cidadãos permanece uma responsabilidade dos Estados-Membros. Contudo, a atualização das capacidades de defesa e do complexo industrial paralelo, bem como o apoio à cooperação entre estados, cairiam no desígnio do Programa cujo objetivo primário seria o de “prover capacidades, assegurar uma base competitiva e inovadora para a indústria de defesa em toda a União, inclusive através da cooperação transfronteiriça e da participação das pequenas e médias empresas (PME), e contribuir para uma maior cooperação europeia em matéria de defesa”. A referência às PMEs na primeira diretriz do Programa não seria de maneira alguma uma mera coincidência, mas sim um apelo para que estas participassem no processo de atualização das competências de segurança do Velho Continente, dado o seu dinamismo e propensão à inovação, características que eram desesperadamente necessárias na matéria de defesa da União Europeia. Das 39 diretrizes do Programa, um total de 7 referem PMEs na sua descrição, incluindo a primeira. A segunda diretriz expande as organizações que se encontram aprovadas para a participação no programa, que para além das PMEs inclui empresas de média capitalização, centros de investigação e universidades, referindo também um novo enfase da União Europeia na matéria de ciberdefesa.

A terceira diretriz, “A fim de alcançar soluções mais inovadoras e promover um mercado interno aberto, o Programa deverá prestar um forte apoio à participação transfronteiriça das PME e ajudar a criar novas oportunidades de mercado”, reforça o apoio financeiro à crescente internacionalização de PMEs europeias, elevando o estatuto do programa a outras iniciativas económicas ao impulsionar uma maior coesão e cooperação entre diferentes EM e respetivas entidades, e levando assim ao desenvolvimento do conceito de Mercado Aberto Europeu.

Passando da terceira para a décima oitava diretriz do Programa, surge uma nova menção no Programa relativamente ao papel que as Pequenas e Médias Empresas podem (e devem) ter no processo de desenvolvimento da indústria de defesa do continente europeu e da coesão dos seus mercados (“As ações elegíveis desenvolvidas com um nível adequado de participação de empresas de média capitalização e de PME, em particular PME transfronteiriças, apoiam a abertura das cadeias de abastecimento e contribuem para os objetivos do Programa”), demonstrando este excerto a implicação das mesmas nos processos logísticos e de distribuição entre EM.

As diretrizes 30 e 31 vêm cimentar a ênfase dada pelo Programa na importância das Pequenas e Médias Empresas neste processo “consideradas fundamentais para garantir o crescimento económico, a inovação, a criação de emprego e a integração social na União” (30ª Diretriz), ao dedicarem uma porção dos projetos/calls criadas pela Agência Europeia de Defesa exclusivamente a PMEs, e alocarem no mínimo 10% do orçamento total para ações de compatibilização e cooperação transfronteiriças.

Na 31ª diretriz, evidencia-se a importância de manter um diálogo constante e fluído com “fornecedores não tradicionais do setor da defesa”, onde se incluem as PMEs. A última diretriz que menciona as PMEs é a 36ª, onde é indicada a obrigatoriedade, da Comissão Europeia, no relatório que elabora referente à execução dos Fundos alocados do Programa, expressamente “analisar […] a participação transfronteiriça das PME e das empresas de média capitalização em ações ao abrigo do Programa, bem como a participação das PME e empresas de média capitalização na cadeia de valor global”.

Para além da menção em 7 diretrizes diferentes, das 39 que definem a visão com que o Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa foi concebido, nos próprios objetivos do Programa vem estabelecido como uma das suas finalidades “Apoiar e estimular a cooperação, inclusive transfronteiriça, entre empresas, inclusive PME e empresas de média capitalização, em toda a União, e a colaboração entre Estados-Membros, no desenvolvimento de produtos ou tecnologias de defesa, reforçando e aumentando a agilidade das cadeias de abastecimento e de valor no domínio da defesa, e promovendo a normalização dos sistemas de defesa e a sua interoperabilidade.” Tendo em conta que dentro dos três objetivos do Regulamento, o segundo eleve a importância de estabelecer melhores relações entre entidades de diferentes Estados-Membros apenas reforça a ideia do papel a desempenhar pelas PMEs no processo de desenvolvimento da Indústria de defesa integrada na União Europeia e nos consequentes avanços e passos a dar para assegurar um futuro mais seguro e prospero para as sociedades e cidadãos do continente europeu.

Oportunidades a não desperdiçar

Ao combinar o fomento de relações entre diferentes organizações de Estados-Membros, com o apoio financeiro para o desenvolvimento e pesquisa de novas capacidades de defesa, o Programa aponta para a resolução de um dos problemas existentes do complexo industrial de defesa europeu, o de falta de cooperação entre as nações e a consequente falta de atualização das suas capacidades de Defesa.

Adicionalmente, ao definir condições concretas, que possibilitem a participação com êxito de entidades de menores dimensões, ou que não sejam parte integrante das empresas que mais têm contribuído na matéria de segurança europeia (tais como a BAE Systems, Thales, Airbus e Dassault), surge a oportunidade das PMEs europeias, com o seu ímpeto inovador e empreendedor, de poder participar neste tão pertinente processo de atualização e desenvolvimento. Esta norma tem-se revelado de enorme valor para as PME pois valoriza a sua incorporação nos Projetos das grandes empresas, o que lhes dá mais pontuação na avaliação dos projetos.

De evidenciar ainda é o facto das calls lançadas pela União Europeia conterem um conjunto de projetos dedicados exclusivamente a PMEs, e alocarem no mínimo 10% do orçamento total para ações de compatibilização e cooperação transfronteiriças. Este procedimento tem continuado a verificar-se existindo mesmo os chamados “projetos disruptivos” que se dirigem à capacidade de invenção “fora da caixa” das PME, no fundo o seu múnus.

A exigência, todavia, é que as PME sejam capazes de estabelecerem a sua rede de ligações transfronteiriças pois a finalidade última destes projetos é a da integração em rede da miríada de PME fechadas em si. No fundo, um apelo à sua internacionalização. Os projetos europeus no campo da defesa requerem a participação de pelos menos 3 empresas de 3 países diferentes, para poderem ser aceites.

Em síntese, podemos concluir dizendo que o Fundo Europeu de Defesa constitui uma abertura para as PMEs portuguesas para darem mais um passo e afirmar-se no espaço económico da União Europeia.


13 de março de 2023

José Matias Ramos Pereira: Licenciado em International Business Administration na Católica Lisbon School of Business and Economics, inscrito no Mestrado de Management (International Business) na GBSB Global em Malta


[1] European Defence Action Plan, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/en/TXT/?uri=CELEX:52016DC0950

[2] Regulamento (UE) 2018/1092 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, que estabelece o Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa destinado a apoiar a competitividade e a capacidade inovadora da indústria de defesa da União, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=CELEX%3A32018R1092

[3] PORDATA Portugal, disponível em: https://www.pordata.pt/portugal/formacao+bruta+de+capital+fixo+das+pequenas+e+medias+empresas+nao+financeiras+total+e+por+dimensao-2933

[4] Comissão Europeia – Relatório Anual das PME Europeias 2018/2019, disponível em: https://www.dgae.gov.pt/comunicacao/destaques/comissao-europeia-relatorio-anual-das-pme-europeias-20182019.aspx e Jornal de Negócios, disponível em https://www.jornaldenegocios.pt/c-studio/detalhe/as-pmes-sao-um-motor-crucial-da-economia-em-portugal


NOTA:

  • As opiniões livremente expressas nas publicações da EuroDefense-Portugal vinculam apenas os seus autores, não podendo ser vistas como refletindo uma posição oficial do Centro de Estudos EuroDefense-Portugal.
  • Os elementos de audiovisual são meramente ilustrativos, podendo não existir ligação direta com o texto.
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