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A Radicalização e o Terrorismo

Conforme realçado por Doosje et al. (2016), a radicalização representa-se como um processo pelo qual indivíduos e/ou grupos se tornam progressivamente inclinados e motivados a utilizar a violência contra “membros de um out-group ou alvos simbólicos para alcançar mudanças comportamentais e objetivos políticos” (p. 79).

Segundo os autores (idem), os indivíduos radicalizados são caracterizados por cinco traços fundamentais: (1) a identificação, perceção e aclamação de problemas graves na sociedade; (2) a perda de confiança nas Instituições estatais, com atribuição de pouca ou nenhuma confiança na capacidade destas em resolver os problemas percebidos; (3) a consideração dos seus valores como superiores a qualquer outro grupo; (4) a legitimação do uso de violência, principalmente quando direcionada a “out-groups” responsabilizados por seus problemas; e (5) a crença firme na eficácia da violência para alcançar metas desejadas. Adicionalmente, Pruyt e Kwakkel (2014) definem a radicalização como “o processo pelo qual cidadãos cumpridores da lei tornam-se mais e mais convencidos sobre um fenómeno social e sobre a necessidade de aplicar mais e mais ações radicais” (p. 2).

Relativamente ao terrorismo, morfologicamente, a palavra surge do termo “terror” com o sufixo “-ismo”, significando, na sua origem meramente etimológica, um ato contínuo da prática do terror (Schmid, 2023; Waldron, 2004). Segundo Schmid (2011), o terror caracteriza-se como um estado da mente dominado por sentimentos intensificados de medo, verificável tanto ao nível individual como coletivo, sendo a correspondente instrumentalização apontada como uma abordagem assimétrica envolvida em ameaças e violência normalmente empregadas em conjunto com outras técnicas e estratégias específicas práticas, cada vez mais diversificadas e sofisticadas.

Para além disso, o consenso em torno de uma definição conceptual de terrorismo, tanto a nível político como a nível académico, ainda permanece em debate (Casimiro, 2019; Prabha, 2000; Schmid, 2004). Afirma-se que a conceptualização do presente fenómeno inevitavelmente encontra-se envolvida por tendências políticas sendo utilizada como uma forma de retórica contra os inimigos percecionados como tal, pelo poder político central (Freitas, 2022; Prabha, 2000; Schinkel, 2009; Sousa & Mendes, 2008). Esta visão dupla e partidária concede o argumento de que “um ator pode ser um terrorista para uns e um herói ou resistente para outros” (Sousa & Mendes, 2008, p. 239). Já noutra perspetiva, a difícil delimitação do fenómeno poderá ser justificada pela utilização de “inúmeros critérios (…) quer quanto aos fins, aos meios, aos sujeitos, ou mesmo ao contexto político, entre vários outros” (Casimiro, 2019, p. 29)

Adicionalmente, Freitas (2022) afirma que a lacuna na conceptualização do terrorismo estabelece-se enquanto uma entrave à estratégia contraterrorista, tanto a nível nacional como internacional. Efetivamente, perante a falta de um consenso sobre esta, surgem obstáculos à investigação, à punitividade, na legislação e á cooperação internacional em matéria terrorista (Casimiro, 2019; Freitas, 2022). A criação de uma definição universal poderá potencializar uma “harmonização normativo-substantiva entre as diferentes ordens jurídicas nacionais e, a jusante, permite a utilização de mecanismos de cooperação judiciárias internacional em matéria penal” (Freitas, 2022, p. 117).

Terminando, Borum (2011a) e Gómez et al. (2021) acrescentam que a radicalização é um processo que poderá, ou não, culminar no ato terrorista, esclarecendo que nem todos os indivíduos radicalizados acabam por se envolver no terrorismo e que, mais do que uma decisão ou uma condição adversa, o envolvimento no respetivo fenómeno é produto de um processo dinâmico e complexo, sendo por isso necessário estudar de que forma estes indivíduos se radicalizam, numa perspetiva mais individual e contextual, ao ponto de legitimar o cometimento de atos desta natureza. Borum (2011b) adiciona que “a maioria dos radicais não participaram (e não participa) no terrorismo e muitos terroristas não se ‘radicalizaram’ (e não se radicalizam)” (p. 2).

A Radicalização numa Perspetiva de Legitimidade e Confiança nas Instituições Estaduais

Segundo Tyler (2006) e Tyler et al. (2010), a autoridade exercida por um Estado manifesta-se quando os seus membros o reconhecem como tal, conformando-se com as normas e regras por este estabelecidas. A conformidade com a lei é compreendida através de duas perspetivas: a instrumental, na qual os cidadãos respeitam as leis e evitam a prática de crimes após ponderarem os custos, benefícios e a probabilidade de serem identificados e punidos; e a normativa, destacando a influência da moralidade e da legitimidade na conformidade com a lei. Neste sentido, Tyler (2006) sublinha que “a moralidade implica obedecer à lei porque a pessoa acredita que esta é justa […] a legitimidade implica obedecer à lei porque a pessoa sente que a autoridade que a impõe tem o direito de ditar os comportamentos” (p. 4).

Dito isto, o autor afirma que a legitimidade atribuída às autoridades e Instituições emerge como um dos aspetos mais relevantes no âmbito da prevenção do fenómeno criminal em que “quando as pessoas acreditam que as autoridades legais têm o direito ao poder e o direito de ditar o comportamento apropriado, tendem a submeter-se e a cooperar com as autoridades legítimas porque sentem que é a coisa certa a fazer” (Tyler et al., 2012, p. 2).

Levi et al. (2009) suplementa esta linha de raciocínio, afirmando que “um governo considerado legítimo pode esperar ampla cooperação pública para atos voluntários como votação, serviço militar voluntário e participação na resolução de problemas comunitários” (pp. 354-355) sendo a elevada legitimidade, por um lado, uma clara vantagem na redução de recursos e investimento em sistemas reforçados de segurança e vigilância criados para atenuar os problemas que uma baixa legitimidade exerce sobre a sociedade e os Estados. Assim, segundo os autores, a legitimidade pode ser avaliada conforme: (1) as intenções de um Governo; (2) a performance deste e; (3) a sua competência administrativa, com a intenção basilar de fornecer conforto, justiça e respeito à população que regula.         

Relativamente à relação entre legitimação e o processo de radicalização e terrorismo, van den Boss (2020) realça o sentimento de injustiça percecionado pelos indivíduos. Neste sentido, o autor invoca a “The Staircase to the Terrorist Act” [As Escadas para o Ato Terrorista] de Moghaddam (2005) destacando as etapas da interpretação psicológica das condições materiais e as soluções identificadas para os problemas percecionados, sublinhando a influência da confiança, justiça e legitimidade exercidas pelos Estados e Instituições na continuidade da subida dos andares propostos por Moghaddam (2005) uma vez que, aos indivíduos, “foram-lhes negadas oportunidades de voz ou outra participação significativa na tomada de decisões, o que os levou a culpar excessivamente o outro” (van den Boss, 2020, p. 566).

Figura 1 – “The Staircase to the Terrorist Act” [As Escadas para o Ato Terrorista] de Moghaddam (2005)

Além disso, de acordo com Moghaddam (2005) e com base no seu modelo, a maioria das pessoas permanece no andar inicial (rés-do-chão), enfatizando a crucial importância de prevenir o fenómeno terrorista nesta fase implicando a implementação de medidas que atenuem as condições materiais adversas identificadas pelos indivíduos a longo prazo. É também crucial uma maior participação do Estado em políticas que verdadeiramente defendam os seus cidadãos, ampliando assim, o sentimento de justiça e legitimidade a este atribuído. Sobre isto adicionam Marquardt e Bäckstrand (2022), que a legitimidade dos governos democráticos pode ser alargada através do aumento da participação civil e das organizações não estatais nas tomadas de decisão. Este processo proporcionaria um espaço para a transparência e uma escuta ativa das preocupações dos cidadãos, permitindo a implementação de medidas concretas que intensifiquem o sentimento de legitimidade.

Já no que concerne à formação e adesão a grupos radicais, e apesar de não existir um consenso generalizado sobre este tópico (Gómez et al., 2021, Haq et al., 2020), Gómez et al. (2021) e Haq et al. (2020) realçam a influência de um conjunto de fatores individuais tais como “fracassos pessoais, rejeição interpessoal, queixas individuais ou coléticas, alienação social que induzem uma perda do e significado pessoal […] para restaurarem as pessoas podem ingressar em grupos que lhes ofereçam um senso de propósito aliado a sentimentos de camaradagem” (Gómez et al., 2021, p. 2).

Por outro lado, Haq et al. (2020), sustentados por vários estudos e investigações junto de ex-membros de organizações terroristas e radicais, propõem um modelo que realça os laços afetivos entre essas organizações e os seus novos membros. Este modelo explora as vulnerabilidades emocionais dos indivíduos oferecendo “uma estrutura e sistema bem desenvolvidos, que os facilitam a gerar sentimentos positivos, como força, confiança, orgulho e pertencimento dentro do grupo, e a gerar sentimentos negativos, como ódio, raiva e repulsa em relação a um grupo externo” (p. 2) quase que representando e imitando a responsabilidade de figuras formais e informais normativas e de socialização. Sobre esta lógica, acresce-se a busca pela concretização pessoal do indivíduo como anteriormente referido.


06 de maio de 2024

Beatriz Barqueiro
EuroDefense Jovem Portugal


Bibliografia

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NOTA:

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