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Oportunidades para a indústria nacional abertas pela Cooperação Estruturada Permanente em matéria de Segurança e Defesa

1. Circunstâncias geopolíticas conducentes ao seu estabelecimento

O Tratado de Maastricht, de 7 de fevereiro de1992, configurou uma União Europeia com um nível de ambição mais elevado, um campo de atuação alargado e uma nova arquitetura sustentada nos seus atuais três pilares. A partir de então, a União Europeia passou a abranger dois novos domínios, respetivamente: o das relações externas e defesa (2º pilar); o da justiça e segurança interna (terceiro pilar).

Vivia-se um período de reconfiguração geopolítica da Europa, marcado pela recente dissolução da União Soviética e pela crise da Jugoslávia, em processo de desintegração violenta. O fim da Guerra Fria, a queda do muro de Berlim e a extinção do Pacto de Varsóvia, configuravam uma nova realidade estratégica. As circunstâncias ditavam a intervenção política da União Europeia num espaço geográfico que durante quase cinco décadas tinha orientado a sua defesa e segurança para a ameaça a Leste. Uma realidade em que a NATO era o principal garante da sua defesa, vinculando os dois lados do Atlântico numa relação virtuosa que dera mostras da sua relevância nos dois conflitos mundiais do século XX.

Na década de noventa, as sucessivas crises nos Balcãs foram o palco de várias iniciativas no plano multilateral para gestão de crises e resolução de conflitos na região. Do ECMM, à UNPROFORIFOR/SFORKFOR e, finalmente, à EUFOR e EULEX, assistiu-se a uma progressiva tendência para afirmação do segundo pilar da União Europeia, embora essencialmente no plano das relações externas, visando a promoção da paz e segurança internacional. Desde então a sua atuação tem-se processado, sobretudo, em complemento de outras organizações, nomeadamente, da ONU e da NATO. Contudo, é justo reconhecer que a União Europeia se afirmou como uma potência, embora essencialmente no plano do soft power.

O atentado terrorista contra as Twin Towers, em 11 de setembro de 2001, ditou o impulso estratégico dos EUA para uma guerra global contra o terrorismo, que completou já 17 anos. No plano geopolítico, a deslocação do centro de gravidade para a bacia do Oceano Pacífico, a par da emergência da eurásia como polo de competição geoestratégica, de uma Rússia mais assertiva e uma China em processo de afirmação têm, no seu conjunto, implicações no plano regional do continente europeu.

O arco de instabilidade nos flancos Sul e Este da Europa – do Sahel ao Afeganistão, do Norte de África ao Médio Oriente e Mar Negro, coloca questões que não se resumem aos planos estratégico e humanitário, de que a ameaça do terrorismo e a pressão nas fronteiras externas da União Europeia são os indicadores visíveis de uma crise de segurança com repercussões preocupantes nos panos social, ambiental, político e das instituições europeias.

Por outro lado, acentuam-se as incógnitas em torno de processos políticos complexos como o BREXIT e o caráter imprevisível da política externa da administração Trump, nomeadamente quanto ao nível de comprometimento com a cláusula de solidariedade do Tratado do Atlântico Norte, que representa a pedra de toque da credibilidade da NATO. Estas realidades configuram uma perceção por parte dos Estados-Membros da necessidade do reforço da capacidade efetiva da União Europeia nos planos da segurança e defesa, rumo a uma progressiva autonomia estratégica.

As crises são, por regra, momentos onde as decisões se tornam inadiáveis, confrontando os Estados com opções sobre o futuro. Na ordem do dia está uma nova abordagem da segurança e defesa da União Europeia, alavancada em instrumentos efetivos para a sua operacionalização. Após décadas remetido para o plano das intenções e circunscrito ao exclusivo âmbito nacional, eis que este setor do segundo pilar entra, finalmente, no domínio concreto da ação política da União Europeia.

2. Desenvolvimentos no plano político da União Europeia

Há aqui que registar o aumento do nível de ambição da União Europeia, patente em dois momentos importantes e em três passos fundamentais. Os primeiros são os que deram lugar à apresentação da Estratégia Global da União Europeia, em junho de 2016 e posteriormente, em dezembro de 2017, à implementação da Cooperação Estruturada Permanente (CEP). No plano das iniciativas, apontam-se: a aprovação do quadro financeiro plurianual da União Europeia, para o período 2021-2027; a institucionalização dos processos para operacionalização da CEP; e a criação de mecanismos facilitadores da ação externa da União Europeia. A implementação da CEP, em particular, merece aqui uma análise mais detalhada, pelas oportunidades que abre ao setor tecnológico e à indústria do nosso país.

A CEP permite a Estados-Membros que preencham os critérios e que entendam subscrever voluntariamente compromissos em matéria de desenvolvimento de capacidades, encetar projetos em comum. Estes devem, igualmente, ir ao encontro das necessidades da União Europeia, contribuindo para a sua autonomia estratégica e para o reforço da base industrial e tecnológica de defesa europeia (BITDE).

Embora prevista no Art.º 46º do Tratado da Lisboa de 2007, a concretização da CEP foi sendo sucessivamente protelada, tanto por constrangimentos ligados à associação dos assuntos de segurança e defesa ao exclusivo domínio da soberania dos Estados-Membros, como, sobretudo, pelas dificuldades de articulação do seu financiamento, nomeadamente, no acesso a fundos do orçamento comunitário.

Em dezembro de 2017, contudo, o Conselho da União Europeia deliberou a implementação da CEP, tendo 25 Estados-Membros aderido à iniciativa, entre os quais Portugal. A CEP estabelece um conjunto de princípios que têm por horizonte o aumento da eficácia do setor de segurança e defesa. Este processa-se quer no plano do desenvolvimento conjunto de capacidades, como através da otimização de estruturas multinacionais existentes, com provada relevância para a ação externa da União (EUROCORPO, EUROMARFOR, EUROGENDFOR, MCCE/ATARES/SEOS).

Importa, no entanto, frisar que os objetivos da CEP, em linha com os ambiciosos e importantes desígnios da Estratégia Global da União Europeia, em nada comprometem a histórica relação transatlântica e o papel fundamental da NATO na segurança da Europa, antes os complementa por via do fortalecimento do pilar europeu.

3. A Cooperação Estruturada Permanente como embrião de uma União Europeia de Defesa

Para os propósitos deste texto, focalizamos a nossa atenção no primeiro e verdadeiramente mais ambicioso daqueles objetivos – o direcionado para o desenvolvimento conjunto de capacidades, com acesso ao financiamento da União Europeia para a sua concretização.

Em linha com este desígnio, pela primeira vez o orçamento comunitário passou, pela primeira vez, a incluir uma rúbrica para este efeito – o Fundo Europeu de Defesa (FED). Este compreende verbas disponibilizadas no imediato para o efeito e, subsequentemente, no período 2021-2027, um total de 13 mil milhões de EUR. Destas verbas: 8,9 mil milhões de EUR serão direcionados para projetos de desenvolvimento de protótipos e para as atividades subsequentes de certificação e teste; 4,1 mil milhões de EUR serão destinados a projetos de investigação orientados para as ameaças emergentes.

A participação das pequenas e médias empresas constitui um fator de preferência na avaliação dos projetos. Por outro lado, 5% do orçamento é destinado ao desenvolvimento de tecnologias de ponta que assegurem, no longo prazo, a colocação da União Europeia numa situação de vanguarda tenológica.

Importa realçar que as fontes de financiamento não se esgotam no FED. O setor da segurança e defesa, para os propósitos do desenvolvimento cooperativo de capacidades com interesse para a União Europeia, passará a ter igualmente acesso aos fundos estruturais (o InvestEU fund do designado Plano Juncker). Também será possível, no futuro quadro orçamental, aceder a fundos destinados à investigação e inovação, que no seu total perfazem 100 mil milhões de EUR. Foi tido em conta o facto de o desenvolvimento destas capacidades se processar, em grande parte, num contexto tecnológico de uso dual, com interesse tanto para os mercados civil como militar.

Trata-se de um horizonte de oportunidades para as indústrias e centros de investigação europeus, perspetivando um novo capítulo da política da União Europeia, rumo a uma Defesa Europeia comum. Contudo, a CEP pressupõe o cumprimento de requisitos, a observância de um conjunto de processos e o reconhecimento de que os projetos se traduzem em ganhos de eficácia, produzindo resultados efetivos. Os Estados-Membros promotores dos projetos deverão também comprometer-se a serem futuros utilizadores dessas capacidades.

No plano europeu, em linhas gerais, os interlocutores são os Estados-Membros que, num mínimo de três, acordam entre si o desenvolvimento de forma colaborativa de um determinado projeto para uma capacidade de defesa. Nesta fase, os Estados-Membros deverão ter em conta as necessidades estabelecidas pela União Europeia no Plano de Desenvolvimento de Capacidades (PDC) estabelecido pela Agência Europeia de Defesa. Submetem a proposta ao Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), que a avalia com base no parecer técnico da Agência Europeia de Defesa (AED). Finalmente, o SEAE submete-a, para aprovação, ao Conselho Europeu.

A CEP pressupõe igualmente que, no plano nacional, os Estados-Membros cumpram com os seguintes compromissos: incrementar de forma progressiva os respetivos orçamentos de defesa, para os níveis há muito acordados (2% do PIB); orientar 20% do orçamento de defesa para o investimento em capacidades; destinar 2% do orçamento de defesa para a investigação e desenvolvimento.

Os projetos submetidos pelos Estados-Membros ao Conselho Europeu, para cofinanciamento no quadro da CEP, terão ainda que estar alinhados com os respetivos Planos Nacionais de Investimento. A CEP pressupõe que os Estados-Membros realizem em conjunto e sob a coordenação da AED, uma Apreciação Anual Coordenada de Defesa (AACD), visando a harmonização das respetivas prioridades com as do Plano de Desenvolvimento de Capacidades da União Europeia. Assegura-se assim que os projetos cofinanciados pelo FED no quadro da CEP, asseguram ganhos de eficiência, respondem a necessidades efetivas, preenchem lacunas operacionais e contribuem para a redução do número de modelos diferentes de determinados sistemas.

No que concerne à implementação da CEP, esta compreende duas fases sucessivas, respetivamente, nos períodos de 2018-2021 e 2021-2025, respetivamente antes e após a implementação do próximo quadro financeiro plurianual da União Europeia, após o que será sujeito a uma avaliação. Se bem que os valores referidos anteriormente digam essencialmente respeito ao segundo destes períodos, contudo, há já um conjunto de recursos financeiros destinados a permitir a operacionalização da CEP.

Na senda, existe já um primeiro conjunto de 17 projetos de desenvolvimento cooperativo de capacidades aprovado no quadro da CEP. Na reunião agendada para novembro do corrente ano, o Conselho Europeu irá pronunciar-se sobre um conjunto de outros 33 projetos. Anualmente, pela mesma altura, o procedimento repetir-se-á, na sequência das candidaturas que entretanto forem surgindo e da respetiva avaliação técnica da EDA e operacional do Comité Militar da União Europeia.

Nos registos da CEP referentes aos dezassete projetos já aprovados, estão identificados seis projetos com participação portuguesa, em domínios de inegável relevância para a Segurança Nacional. Desenvolvem-se em áreas onde é patente a existência de competências na base industrial e tecnológica do nosso país e que poderão conferir valor acrescentado ao seu desenvolvimento.

4. Oportunidade de mudança e vontade política dos Estados-Membros

Em conclusão, citando a Vice-Presidente da Comissão e Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, no atual período do mandato da Comissão Juncker a União Europeia deu passos mais significativos nos domínios da segurança e defesa do que durante os quase sessenta anos anteriores. Com a aprovação de uma Estratégia Global, como base para um nível de ambição ajustado à sua dimensão de ator essencial no plano das relações externa e com a operacionalização da Cooperação Estruturada Permanente rumo a uma Defesa Europeia, a União Europeia apetrechou-se com os mecanismos necessários para a sua afirmação no quadro internacional como promotor da paz e segurança internacional.

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Por outro lado, a CEP representa uma janela de oportunidade para a racionalização da base industrial e tecnológica de defesa da União Europeia, eliminando duplicações e entropias e assegurando ganhos de eficiência no domínio da segurança e defesa, em linha com a relevância que os cidadãos lhe conferem. No plano nacional, representa uma oportunidade para o desenvolvimento de sinergias entre a indústria, os centros de investigação tecnológica e a economia em geral. Assim se consigam estabelecer as pontes necessárias entre os centros de conhecimento, de informação e de decisão política, que possibilitem liberar e expandir todo esse potencial.

MGEN Agostinho Costa
Vice-presidente da Associação

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