O interesse por parte dos Estados dos Balcãs Ocidentais em ingressar na União Europeia (UE) – ou pelo menos estar em linha com o acervo comunitário – sempre esteve presente, sobretudo desde o fenecer da República Socialista Federal da Jugoslávia (RSFJ). No entanto, quer pela força da conjuntura, quer por conflitos internos, ou até mesmo por divergências culturais, a verdade é que ainda nem todos os Estados se encontram alinhados com a UE, com alguns deles ainda em negociações com Bruxelas. Contudo, não se pode só justificar este atraso de integração dos Balcãs na UE devido aos motivos acima referidos. A (des)organização da ordem mundial e a política externa das maiores potências também é uma das causas maiores para a estagnação e, muitas vezes, retrocesso do aprofundamento da presença europeia nesta zona. Para além disso, e como exemplo mais concreto pelo qual nos vamos alongar nesta reflexão, destaca-se a assiduidade da Federação Russa, que, comandada há já mais de 20 anos por Vladimir Putin, desestabiliza (ainda mais) os povos da antiga Jugoslávia, criando discórdia e confusão, num Adriático que por si só já não é pacífico.
Dessa forma, a tridimensionalidade das relações externas dos Balcãs sempre foi norma. A escolha entre o bloco europeu e o bloco de leste mostrou-se, ao longo da história, como o único jogo possível, sobretudo depois do final da Guerra Fria. Como se processaram, então, ao longo da história, os movimentos dentro deste tabuleiro?
A ascensão de Tito ao poder aquando da formação da República Federal Socialista da Jugoslávia contou com o apoio da União Soviética. De uma perspetiva indutiva, a conclusão é facilitada pelo combate que este primeiro liderou contra as invasões nazis e fascistas ao território em questão. No entanto, este período de convergência entre Tito e Stalin foi sol de pouca dura, com uma separação quase formal a acontecer em 1948. Essa separação carregou fortes mudanças nos modelos de organização social, promovendo uma descentralização e uma forte autonomia dentro do proletariado, em contraposição ao centralismo estatal estalinista.
Desde então Tito criou uma nova linha de política internacional, da qual se destaca uma caraterística-mor: o não alinhamento. Esta política ficou consumada com a criação do Movimento dos Países Não Alinhados, em 1961, em plena capital jugoslava (Belgrado). Este movimento teve, à cabeça, a Índia, o Egipto e, como é óbvio, a RSFJ, três Estados que dispunham de grande importância a nível internacional, tanto pela sua dimensão geográfica, como pelo seu vasto poderio económico.
O desmoronamento da Jugoslávia tornou-se inevitável aquando da morte, em 1980, do seu mais proeminente líder, Josip Tito. A partir daí, gerou-se um ambiente propício para um clima de crise económica e, sobretudo, tensão étnica, que duraria até ao despoletar da Guerra em finais dos anos 80 e inícios da década seguinte. Embora seja impreciso determinar em que período feneceu a República Socialista Federal da Jugoslávia, a verdade é que, ainda no ano de 1992, houve uma tentativa, por parte de alguns Estados hoje independentes (Sérvia, Montenegro e Kosovo), de preservar o projeto de união entre os Balcãs. No entanto, a verdade é que os povos do Adriático nunca mais se viriam a unir num projeto comum, que congregasse os mais variados interesses, consagrados numa união territorial. Para o bem e para o mal, esses interesses foram substituídos por um direito à autodeterminação,. Contudo, este que é um dos primeiros príncipios presentes na Carta das Nações Unidas (está logo latente na segunda alínea do segundo artigo) ainda hoje este abre precedentes em várias zonas da antiga Jugoslávia, despoletando-se, desde o final desta, uma onda de reivindicações que não tem fim à vista.
Em 1992, a República Federal da Jugoslávia foi o mote para o projeto mencionado há pouco, um que viria a terminar passados 11 anos. Depois disso, dá-se a criação de uma república federal sob a forma de união política, denominada de União Estadual da Sérvia e de Montenegro. O colapso viria a ser definitivo em 2008, altura em que os montenegrinos se divorciaram dos sérvios.
No entanto, olhemos para o ano da independência dos antigos Estados jugoslavos, de modo a nos situarmos dentro das relações do mundo pós-Guerra Fria (a primeira data será a independência declarada, e a segunda a reconhecida – internacional e formalmente):
República Federal da Jugoslávia: 27 de abril de 1992; 1 de novembro de 2000;
República da Bósnia e Herzegovina: 1 de março de 1992; 22 de maio de 1992;
República da Croácia: 25 de junho de 1991; 22 de maio de 1992;
República da Macedónia: 8 de setembro de 1991; 8 de abril de 1993;
República da Eslovénia: 25 de junho de 1991; 22 de maio de 1992;
Evolução das fronteiras desde a antiga Jugoslávia até ao presente
Para além destes, há ainda um par de Estados que merecem uma menção pela sua inserção na Jugosfera. O caso da Albânia é o mais proeminente. Os albanos, embora independentes da antiga Jugoslávia, eram, na mesma altura, uma República Socialista, sob a tutela de Enver Hoxha. Todavia, as relações sempre foram tensas. Existia, assim, um contínuo clima de desconfiança com um forte receio do lado dos albanos face a pretensões de anexação jugoslavas. Embora nunca se viesse a preconizar, o plano esteve sempre em cima da mesa.
E a Albânia é um caso mais do que relevante para se aqui mencionar, isto porque, já há cerca de 10 anos que os albanos atuam como o depósito de migrantes expulsos pelos Estados-membros da UE. O seu alinhamento com a UE e, até, a sua possível adesão, traria uma nova e mais complexada discussão dentro de uma temática que gera já muita controvérsia entre os demais beligerantes da União.
Viajando agora para o hodierno e para a UE, quando olhamos para os candidatos ao projeto europeu, é de fácil dedução que a zona adriática é uma das mais interessadas em se juntar, formalmente, ao bloco ocidental, isto porque, dos 5 candidatos, 4 pertencem-lhe. São eles: Albânia, Montenegro, Macedónia do Norte e Sérvia.
Este interesse explícito reflete-se nos pacotes de apoio que a UE tem enviado para os Balcãs Ocidentais. Se em 2020 o apoio em pleno período pandémico foi de 1700 milhões de euros, em 2021, e até junho, este já tinha duplicado, com um montante absoluto de 3300 milhões de euros a terem sido já atribuídos pelo Banco Europeu de Investimento a estes países, distribuídos pelas mais distintas áreas: desde a mais premente e urgente, a da saúde – tanto para a aquisição de vacinas como para o reforço de infraestruturas -, até à economia – com o grande objetivo a ser o desenvolvimento das pequenas e médias empresas.
É por esta relação de reciprocidade crescente entre a União Europeia e os Balcãs Ocidentais que a Rússia vai metendo, dia após dia, o dedo nestas relações, tentando captar estes Estados, ainda em desenvolvimento, para o seu jugo eslavo. Num paralelo histórico, poderá até se comparar este momento com aquele vivido no pós-Guerra Fria, em que as duas superpotências presentes no continente europeu (EUA e URSS) tentavam incorporar o número máximo de Estados dentro do seu guarda-chuva de alianças (NATO vs Pacto de Varsóvia). Neste caso em concreto, opõe-se agora os russos aos demais povos europeus, sob o manto da União Europeia.
Mas como se tem processado a intervenção russa neste território em específico? Sobretudo através do fomento à desordem social, com um apoio quase tácito aos bósnios-sérvios e às suas reivindicações de secessão do território bósnio. Além disso, o crescimento de líderes extremistas tem um toque de Putin. Tome-se como exemplo a relação entre os eslovenos e os russos. Desde 1992, o ano da independência eslovena, que os contactos entre os dois países foram formalizados com a abertura de uma embaixada russa em Liubliana. No entanto, em 2014, em pleno ano de invasão russa ao território ucraniano, e com a Eslovénia já com 10 anos de União Europeia, os dois países aqui em questão fizeram questão de se aproximar ainda mais. Isto tudo se deveu (e deve) à dependência energética do segundo face ao primeiro: quase 42% das importações de combustíveis para a Eslovénia advém de território russo. De forma legitima, pode-se ainda acrescentar que esta aproximação se deve à relação íntima entre o primeiro-ministro esloveno, Janez Jansa, e o presidente russo, Vladimir Putin, tendo este último ajudado a extremar ainda mais o primeiro. E o chefe de Estado esloveno não é o único da região com o qual Putin contrai uma relação de proximidade. A deste com a do atual e muito controverso presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, ainda é mais contígua. Até pode ser redutor reduzir a relação destes a um tão pequeno (mas não menos relevante pormenor), mas acaba por ser até aceitável afirmar que o desprezo que estes partilham aos muçulmanos é um elo perfeito para uma duradoura relação entre ambas as partes. Se no caso russo esses muçulmanos são, sobretudo, os habitantes da Chechénia, no caso sérvio é algo mais crónico e antigo, a remontar à repartição do território e aos bósnios-sérvios que ainda hoje reclamam a independência a favor de Belgrado.
De facto, se o início da presidência eslovena do Conselho da União Europeia representa uma oportunidade para criar novas e melhores pontes de diálogo entre a União Europeia e os Balcãs, contribuindo assim para o desvanecer da nuvem cinzenta, oriunda de território russo, que tem coberto, nos últimos meses, toda a zona da antiga Jugoslávia, também se pode dizer exatamente o contrário: que as expectativas de Bruxelas para esta presidência são baixas e que até se espera uma deterioração da presença europeia nos Balcãs. E o exemplo mais proeminente que clarifica esta última premissa serão as declarações de Janez Jansa sobre o conflito afegão (agora agravado), ao rejeitar a criação de quaisquer corredores humanitários, assumindo que a Europa não iria abrir as suas portas, numa clara revolta contra as políticas europeias de abarque aos migrantes (usualmente oriundos do Norte de África).
Como é que será que os países da antiga Jugoslávia vão reagir à presença russa? Iremos continuar a ver uma presença de ideais europeístas? Irá a Rússia cimentar-se como a potência da zona? Conseguirá a União Europeia fazer valer os seus interesses nesta zona tão crucial do mediterrâneo?
As perguntas são muitas e as respostas demasiado escassas. Resta aos europeus a esperança de que a política de não alinhamento (face à Rússia) de Tito ainda hoje paire nas cabeças dos líderes dos Balcãs.
Mas nem só da inércia deve a UE esperar bons resultados, porque estes constroem-se. Requer-se mais presença europeia nesta área do continente, não só através da bazuca europeia, como também através da exportação de soft-power. Só com este é que a União pode esperar uma verdadeira fidelização dos mais variados povos da jugosfera ao projeto de Schuman.
17 de novembro de 2021
André Gabriel Oliveira
EuroDefense Jovem-Portugal
Bibliografia
https://www.iiss.org/publications/strategic-comments/2019/russia-and-the-balkans
https://ec.europa.eu/neighbourhood-enlargement/sites/near/files/coronavirus_support_wb.pdf
https://www.eib.org/attachments/country/the_eib_in_the_western_balkans_2021_en.pdf