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Este enorme vulcão viral de nome Covid-19, que projetou as suas lavas contagiosas pelo mundo inteiro, atingiu a grande maioria dos Estados, utilizando um dos princípios da guerra: o efeito surpresa.

Regiões inteiras, Estados, pessoas aos milhões, meios de transporte; terrestres, aéreos e marítimos e a economia em geral, ocuparam a «trincheira do medo». A resposta fez-se como se pôde, através das políticas governamentais estabelecidas e dos meios disponíveis, utilizando no escalão principal deste combate a componente sanitária. Foi assim montada a nova «geopolítica do medo», e na qual os Estados articulam como podem as suas manobras de gestão imediata da crise sanitária.

O atual drama de saúde pública obrigou a Europa, as grandes potências e os Estados em geral, a uma forte redução do consumo de energia, em todas as suas vertentes e de forma transversal, em valores nunca vistos nos últimos 70 anos. O consumo de energia global caiu em média 3,8% no primeiro quadrimestre do ano (comparado com o Q1 de 2019), verificando-se mesmo valores a atingir os 25% nos países de confinamento tipo «full lockdown». O carvão (- 8%), o petróleo (-5%) o gás natural (-2,6%) e o nuclear (-3%) estiveram na linha das maiores perdas. Também a setor elétrico teve um decréscimo de 2,5%[1]. O declínio energético acompanhou de um modo geral nos diversos países a queda do seu PIB. As energias renováveis foram as únicas a crescer ligeiramente (+1.5%). Por seu lado, as

emissões de CO2 apontam neste quadrimestre para uma redução de valores na ordem dos (-5%) comparativamente com o Q1 de 2019.

Decorrente de toda esta evolução, também assistimos ao surgimento intempestivo de uma guerra heteróclita nos mercados do petróleo. Este facto conduziu a níveis mínimos e impensáveis na transação do petróleo nos principais mercados, e colocou para já em causa todo o circuito do upstream ao downstream, fruto das estratégias isoladas dos seus principais produtores (Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos), perante uma indústria petrolífera em completa desorientação.

Os principais atores internacionais limitaram-se a exibir modelos de perturbação interna, e a criar estratégias diferenciadas perante a inesperada derrapagem dos preços do petróleo e a eventual destruição a prazo deste circuito energético, que sempre assumiu um grande potencial estratégico a nível mundial. Aliás a Europa, até se escondeu, e dela não se ouviu o mais ligeiro sussurro!

Mas dito isto, numa perspetiva holística e de algum modo simplista de toda esta realidade somada, cujos efeitos serão devastadores no campo económico e social dos Estados a curto e médio prazo, o complexo cenário geopolítico global não sofreu nenhuma alteração deveras dramática.

Nunca como nestes últimos anos, as grandes potências globais, e o próprio espaço europeu tiveram na atual matriz energética um tão elevado fator de estabilidade. E sabemos todos, como o fator energia é o elemento estruturante das estratégias de desenvolvimento e sucesso das nações. Os recursos e as reservas energéticos das energias fósseis são abundantes, como nunca o foram, e a resiliência do nuclear mantém-se inalterada.

Por seu lado as energias renováveis nas suas múltiplas vertentes, a par da eletrificação em escala e as promessas do hidrogénio verde, permitem aos Estados perspetivar uma larga opção energética e de sustentação a prazo, com resultados muito mais significativos para o necessário e urgente combate às alterações climáticas.

Daí podermos dizer para já, que dois dos grandes vetores de análise geopolítica: a segurança energética e a segurança e defesa dos Estados, não foram colocados em causa com esta pandemia global.

O que esta crise de saúde global com gravíssimas repercussões económicas e financeiras vem proporcionar, é sim, e reportando-nos apenas a este campo específico que estamos a analisar, o acelerar da nova arquitetura global nos sistemas de energia que irão impulsionar todo o resto do século.

A segurança energética seja em que circunstância for, é sempre uma prioridade geopolítica das grandes potências, e neste momento a China, os EUA e a Rússia procuram novos trunfos perante uma realidade em mudança. A Europa (União Europeia) por seu lado, ainda que com muito menos capacidade, pretende agora assumir e projetar a liderança global das novas políticas ambientais, da descarbonização e do emprego em larga escala das energias renováveis, apresentando aos seus Estados-membros metas e objetivos precisos. A UE aspira a ser uma verdadeira Potência Climática no espaço geopolítico global, área em que realmente pode exercer alguma influência direta, recorrendo a mecanismos económicos e financeiros de salvaguarda ambiental.

Os novos espaços energéticos que a 4ª revolução industrial apresenta, têm como pressupostos base a descarbonização e a digitalização das redes energéticas, num modelo cada vez mais de descentralização e no pressuposto do modelo genérico de eletrificação. Neste contexto as tecnologias emergentes ou disruptivas absorvem preferencialmente as energias renováveis ou vetores energéticos como o hidrogénio ou a eletricidade, integrando e gerindo os modelos de «smart grids» ou «microgrids», e o próprio desenvolvimento e capacitação da «energy storage», consolidando em fases intermédias as alternativas de baixo carbono e as ditas «low pressure gas networks».

Ultrapassado este pesadelo viral e atenuadas as suas ainda imprevisíveis consequências económicas e financeiras, vai ser de novo visível a criação de novos e diferentes espaços de geopolítica energética, baseados num sistema de transformação global do Espaço Energético Global (EEG).

A disputa pelo controlo das matérias-primas não é um tema do passado: quem as produz, desenvolve e controla tem vantagem na estratégia de controlo do EEG. O GNL e a produção em escala do hidrogénio verde, os minerais críticos e estratégicos, entre eles as terras raras, são alguns dos múltiplos exemplos que são já bem visíveis. Neste último campo, a China tem um domínio muito relevante e ameaçador deste mercado decisivo.

Um novo modelo energético descentralizado e digital, mais eletrificado e gerido em rede e micro-redes será contudo um alvo mais remunerador do novo inimigo existente no ciberespaço. A cibersegurança é por isso um fator de primeira grandeza estratégica a explorar, em paralelo com todos os novos desafios que se irão colocar no campo da segurança energética. Novos desafios, disputas e ameaças serão certamente geradas no reformular dos atuais modelos de vida em sociedade, e claro muito dependentes dos interesses diretos dos principais atores globais deste nosso planeta.


4 de maio de 2020

Eduardo Caetano de Sousa
Vogal da Direção

[1] Global Energy Review 2020 – The impacts of the COVID-19 crisis on global energy demand and CO2 emissions Flagship report – April 2020 em https://www.iea.org/reports/global-energy-review-2020/implications#abstract.

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