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Introdução


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Esta reflexão incide sobre a aprovação, pela Comissão Europeia, do chamado “Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo”. Em primeiro lugar, será feita uma breve contextualização sobre em que consiste este novo pacto, e qual o impacto que este tem nos refugiados e migrantes em situação irregular que chegam, todos os dias, ao espaço europeu. Em segundo lugar, será discutido a forma como este pacto teve a sua aprovação acelerada e qual o papel que o atual conflito na Ucrânia teve para que isto acontecesse. Para isto, recorreremos à intervenção da Professora Emellin de Oliveira na tertúlia que incidiu sobre este tema.

I. Pacto Europeu de Migração e Asilo: Contextualização

O Pacto Europeu de Migração e Asilo, tem como principal objetivo “estabelecer as normas mínimas para o tratamento de todos os requerentes de asilo e os pedidos de asilo em toda a Europa”. Foi em 2016, quando se deu a grande maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial, que a União Europeia sentiu a necessidade de reformar este pacto de forma a fazer face aos problemas trazidos por esta. Num momento em que a Europa parecia ter perdido a capacidade de cooperar internamente nesta matéria, a muito aguardada publicação do Pacto sobre Migração e Asilo representava uma a oportunidade essencial para melhorar o sistema de proteção na Europa assente na solidariedade, reconhecer e alargar as vias seguras e legais de acesso para aqueles que têm necessidades de proteção, mobilizar as sociedades para a inclusão e, por fim, substituir o pânico e ceticismo pelo respeitos pelos direitos humanos e confiança em soluções duradouras estruturadas.

II. Novo Pacto de Migração e Asilo

Neste sentido, a 23 de setembro de 2020 a Comissão Europeia propôs a criação de novo pacto em matéria de migração e asilo. A proposta prevê um quadro europeu comum global para a gestão da migração e do asilo, que inclui várias propostas legislativas. Esta reforma prevê, deste modo, estabelecer um quadro comum que contribua para uma abordagem global na gestão da migração e asilo, tornar o sistema mais eficiente e mais resistente à pressão migratória, eliminar os fatores de atração e os movimentos secundários e, por fim, combater os abusos e prestar maior apoio aos Estados-Membros mais afetados.

Questões colocadas à Professora:

1. Será que o Pacto conseguirá cumprir os objetivos enumerados? Ou será este uma realidade que pode ser concretizada, ou uma mera ilusão?

As propostas foram um bocado ‘fantasiadas’. Segundo aquilo que foi dito, começaríamos com uma proposta que teria o intuito de ser um novo começo, mas, no entanto, aquilo que se verificou é que o conjunto de propostas, quer legislativas quer do foro político, relacionavam-se com debates que já estavam parados, nomeadamente a questão de Dublin, há algum tempo. O que o pacto realmente fez foi dar novas capas aos temas e apresentá-los para permitir um novo debate. O pacto apresenta um procedimento de triagem, e a ideia de se criar um mecanismo de solidariedade reforçada em que todos os Estados-membros participassem, de alguma forma. A proposta final, passa efetivamente, pela criação de vários ‘hotspots’ nas fronteiras da União Europeia, e em zonas de trânsito, em que as pessoas que chegassem de forma irregular pudessem esperar ou pedir asilo, ficando aqui à espera para passar por um procedimento acelerado em que se verificará de forma rápida se essas pessoas seriam admitidas ou retornadas para o seu país de origem. Apoio aos retornos, os estados que assim quisessem responsabilizar-se-iam para garantir o financiamento do retorno das pessoas que seriam admitidas nas fronteiras europeias. No entanto, este retorno teria um prazo de 8 meses, que se ao final deste tempo não fosse feito o retorno, deveria trazê-las para o seu território e daí continuar com o procedimento de retorno. É percetível que este procedimento é um pouco complexo porque estariam a trazer uma pessoa de um ‘hotspot’, isolado, para um país da EU, para depois voltar para o seu país de origem. Por fim, os Estados-membros dariam, de igual modo, uma ajuda operacional, via recolocação ou apoiar com os retornos, garantindo meios operacionais, financeiros ou técnicos, para os estados que estariam a participar no processo de retorno ou de recolocação, ou que fossem estados de fronteira. Porém, a Comissão Europeia acabou por colocar freios à possibilidade de todos os estados se lembrarem de ajudar operacionalmente, só para terem estes apoios da CE.

Será então uma ilusão ou poderá efetivamente concretizar-se? Há questões subjacentes que podem ser colocadas com a atual crise na Ucrânia. Pela 1ª vez na UE, desde 2001, com a aprovação da diretiva de proteção temporária, nós vemos esta pela primeira vez a ser ativada. Em 2020, no âmbito das propostas apresentadas pela comissão matéria de migração e asilo há aqui uma proposta de uma diretiva que se chama diretiva de proteção imediata e que, em grande medida é muito semelhante à proposta de proteção temporária, sendo que a única diferença são os prazos menores. O que que se o que que será fazer a proposta da Comissão Europeia sobre uma diretiva de proteção imediata parece-me agora que caiu por terra, demonstrando que muita dessas propostas apresentados em 2020 foram apenas capas novas para discussões, para se tentar utilizar mecanismos ou avançar com discussões nomeadamente a questão de Dublin, Praticamente, o que vimos em 2015, com outros nomes, de uma forma mais alargada e sem ser obrigatório discussões ou criar mecanismos novos nomeadamente o de triagem e a partir dali aplicar o tal mecanismo de solidariedade reforçado, que de certo modo, não parece ser uma solidariedade muito solidária.

2. O que significa o Pacto para os imigrantes em situação irregular/refugiados que já vivem na Europa?

Neste âmbito, as pessoas que já se encontram no território europeu podem, no máximo, sofrer um retorno caso seja identificado. Caso não exista nenhuma razão que impossibilite o estado de afastar essa pessoa do território, em matéria de direitos humanos – previstas na lei portuguesa de imigração (o artigo 122) – este pode conceder a possibilidade dessas pessoas solicitarem autorização de residência, com a isenção de um visto prévio. No entanto, isto não se aplica apenas devido à lei portuguesa, mas sim em consequência de várias decisões em matéria de direitos humanos que impõe limites ao afastamento do território, por exemplo, de pessoas que têm filhos menores, que se encontrem em idade escolar, ou que se encontrem numa situação de doença com necessidade de cuidados continuados, ou tratamentos prolongados. Obviamente, a soberania dos estados concede-lhes o poder de afastar do território pessoas que se encontrem em situação irregular e que, por isso, não tenham uma autorização prévia para permanecer no território. Ao mesmo tempo, existem limites ligados aos direitos humanos e que devem ser observados sob pena de existir algum tipo de violação, portanto, no que toca a essa situação referente ao pacto, se for o caso de uma pessoa ser identificadas, sem nenhuma razão atendível para permanecer no território, essa pessoa poderá sofrer um procedimento de retorno. Se estas pessoas forem refugiadas, já lhes foi outrora reconhecido um estatuto, por isso, estes encontram-se em situação regular no país onde habitam.

3. Como as propostas protegem as crianças no processo de migração?

No âmbito das propostas apresentadas no pacto, é-nos apresentada uma orientação e essa orientação é para a interpretação da diretiva ‘smuggling’, de forma a facilitar a entrada de pessoas em situação irregular. Efetivamente o que se pretende aqui é tentar proteger as crianças, e evitar que, efetivamente, ao invés de serem apenas vítimas de um crime de facilitação de entrada irregular, acabem por também, consequentemente, serem vítimas de tráfico de seres humanos. Deste modo, há uma especial vulnerabilidade na qual o pacto faz – uma exceção –, que permitirá que, havendo garantias de que, no caso de existirem menores não acompanhados, ou de famílias com menores de 12 anos, essas pessoas não serão, à partida, sujeitas a esse controlo de Fronteiras. Porém, temos aqui uma exceção da exceção, que recaí sobre o facto de eles poderem ser considerados, por alguma razão, uma ameaça à segurança nacional ou ordem pública. Aí, neste caso, poderão ser sujeitos ao procedimento de Fronteira. Deste modo, quando é que é legitimo considerarmos um menor, não acompanhado, uma ameaça à ordem pública ou à segurança nacional? É uma situação muito complexa, porque há uma divisão muito clara, entre pessoas que tenham uma residência permanente ou pessoas que são cidadãos da União Europeia, mas que são estrangeiros (não vivem no seu país de origem). Portanto, num caso, se os cidadãos da união europeia têm familiares ou são nacionais de países terceiros onde têm residência permanente, é necessário que se comprove um perigo real genuíno para que o Estado afaste essa pessoa do território, o que não acontece para os restantes nacionais dos países terceiros. Portanto, se o estado, ainda que de forma previsível, achar e considerar que essa pessoa representa uma ameaça, nesse caso, basta que o Estado e os oficiais de imigração encontrem alguma razão para que essa pessoa seja considerada como tal.

4. O que acontecerá às pessoas que chegam irregularmente à EU e às pessoas desembarcadas após uma operação de busca e salvamento?

Dentro das propostas que a Comissão apresentou no Pacto em 2020, existe uma recomendação relativamente às operações de busca e salvamento, efetuadas por navios privados, e que pretende que se deixe de criminalizar a ajuda humanitária, nomeadamente, as pessoas que participam nas operações de busca e salvamento. No entanto, aqui estamos a falar das pessoas que se encontram a receber ajuda humanitária e, nesse caso, se estas estiverem numa situação irregular, vão ser sujeitas ao tal procedimento acelerado de Fronteira, ficando nessas zonas de trânsito – os tais ‘hotspots’. O procedimento será acelerado, e será um procedimento de admissibilidade, ou seja, para de tentar verificar se a pessoa é admissível a ser admitida no país onde se encontra, ou se será retornada para o seu país de origem. Todo este processo de fiscalização e agilização deve-se, em grande medida, às ONGs que estão no terreno, no entanto, deveria existir um mecanismo estatal que pudesse ser uma ajuda para estas ONGs – como é o caso da Agência Europeia de Apoio aos Refugiados, que utiliza os seus recursos para acompanhar e ajudar neste processo.

5. O pacto para a migração e asilo só poderá ser realmente estabelecido se houver um compromisso de plano por parte dos Estados membros da União Europeia e tendo em conta as diferentes políticas de migração de cada Estado, por exemplo, políticas de Portugal em comparação às da Hungria, em que termos é que a professora acha que a cooperação e a divisão de encargos poderão ser eficazes e bem-sucedidas?

Efetivamente esse sempre foi o grande mal se quiser, das propostas de solidariedade, desde a Agenda Europeia para as Migrações, a tentativa de se fazer uma recolocação obrigatória na altura da famosa crise migratória, que agora nos leva a pensar se realmente foi uma crise migratória ou não. Claramente que nós temos estados como a República Checa, Áustria, a própria Hungria, que é, foram bastante relutantes para receber pessoas nos seus territórios, durante o mecanismo de solidariedade obrigatório, de recolocação, criado de modo emergencial em 2015.

De um ponto de vista, talvez um bocado mais legalista, nós temos aqui a questão, e foi também uma tentativa de resposta em 2017, quando acabou a obrigatoriedade da recolocação, de se relembrar que o direito da União Europeia tem uma primazia, portanto, tendo sido uma atuação e o direito à própria união europeia, prevê a solidariedade entre os estados, obviamente, estamos no âmbito de uma matéria que é de competência partilhada, contudo, nós temos também o facto de que onde a UE puder atuar e melhor atuar, ela terá a prioridade e aqui, sendo uma matéria que envolve toda a UE, porque no fundo nós temos um sistema europeu comum de asilo que visa harmonizar exatamente os procedimentos e evitar essa discrepância no âmbito do asilo, entre os estados membros, para que nós então possamos aplicar a aquela ideia de se, ir harmonizando os procedimentos, para se poder tentar evitar a divergência entre os estados, a ideia é que é que se criasse essa harmonia. Se se vai criar? É complicado porque bem ou mal, a União Europeia não é um superestado, portanto, nós continuamos a ter estados soberanos e que efetivamente tenham a possibilidade de negar que um nacional de país terceiro entre no seu território se ele não tiver chegado de forma independente, ou seja, trazer uma pessoa de um outro estado para o seu próprio estado. Verificamos isso não apenas durante a aplicação do mecanismo de solidariedade obrigatório que foi, a recolocação, mas também como Dublin. Essas divergências existem porque se chega a um ponto em que é complicado obrigar o Estado a receber pessoas. O que que aconteceu em 2017? Processos ao nível do Tribunal de Justiça da União Europeia contra os estados que não cumpriram as quotas para receber as pessoas recolocadas.

A divisão de encargos vai ser sempre desequilibrada, porque enquanto tivermos uma sobrecarga com os estados que estão nas portas da Europa, é isso vai ser sempre mais pesado e mais complicado para eles. Efetivamente, Dublin foi criado com base nisto, para evitar que estados, nomeadamente com uma Alemanha, recebessem as pessoas.

6. Existe a participação de organizações terceiras na gestão do Pacto, por exemplo, a União Europeia coopera com a com a União Africana em vários domínios, sendo as migrações uma temática permanente nessas relações? O Pacto considera estes parceiros externos da União Europeia?

O pacto também trata da parte da internacionalização da política de asilo, mas, de forma geral, de imigração, na União Europeia.

A grande questão é que se por um lado se deseja ter essas relações mais próximas com os estados de origem, voltamos a tentar confundir, se quisermos, migração forçada com migração voluntária. Ora se pessoas estão a fugir, não adianta fazer negociação com o estado de origem para evitar que as pessoas saiam. Em boa verdade, é apenas impossibilitar um direito humano que é o direito humano de emigrar. Por mais que não tenhamos propriamente dito, um direito à imigração, mas existe um direito à emigração, toda a pessoa pode sair do estado em que se encontra, e isso é um direito humano. Contudo, há situações que nós não conseguimos evitar a saída das pessoas, por isso, essa tentativa de bloquear que as pessoas saiam de forma voluntária e depois criar um bloqueio na fronteira, se elas saírem de forma forçada, ou mesmo de forma voluntária, isso para mim é que é bastante discutível.

Há sim, uma cooperação, mas não apenas no pacto. Ela já existia discussões nomeadamente em 2019, nas conclusões do Conselho Europeu em que se propunha a criação de plataformas continentais, ou seja, a criação de hotspots no norte da África, em que as pessoas fariam os processos de admissibilidade bem longe do território europeu e depois só viriam para o território europeu, quem passasse nessa primeira triagem, nessa primeira admissibilidade. Na altura, houve reação de alguns estados do norte da África, e exatamente para não que se criar essa completa externacionalização e acho eu que foi por isso que hoje já se propõem criar e aumentar o número de hotspots nas fronteiras europeias. Não obstante, essa cooperação no âmbito de migração sempre existiu, e está muito ligada, não sei se bem, à ajuda ao desenvolvimento e ação externa da União Europeia no que toca não apenas à União Africana, mas também nas relações com alguns estados específicos, nomeadamente no norte da África.

7. No seguimento da primeira pergunta, e visando antecipar os potenciais argumentos de alguns Estados-Membros da União Europeia, que demonstram tendências de obstrução ao acolhimento de refugiados/migrantes, particularmente daqueles provêm de países em desenvolvimento, como é que a União Europeia e o TJUE poderão ultrapassar o argumento de que a assistência na resposta a migrações oriundas de países com valores culturais substancialmente diferentes afronta as identidades constitucionais desses Estados-Membros e, como tal, os Estados-Membros podem se escusar do cumprimento deste facto e da obrigação de assistência às migrações, sendo certo que a União Europeia respeita as identidades constitucionais dos Estados membros.

Indo de uma forma mais direta à sua questão, por um lado temos que relembrar que os povos da Europa são todos os povos que compõem os seus nacionais independentemente da sua origem e, por outro lado, relembrar que grande parte dos Estados-Membros da União Europeia são Estados Laicos, significando, portanto, que a utilização da religião, cultura, e cor da pele como justificação para um tratamento diferenciado contraria a legislação primária da União Europeia, contraria o próprio Tratado da UE, e contraria o que jaz na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. Dado isto, deveríamos dar uma resposta diferenciada ao que estamos a ver e evitar que os Estados criem essa resposta distinta.


4 de abril de 2022

Catarina Abreu de Pinho
EuroDefense Jovem Portugal


Referências:

Conselho Europeu (25 de março de 2022) https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/eu-migration-policy/

Tertúlias EDJ #12 – Pacto Europeu de Migração e Asilo

NOTA:

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