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O Conselho Europeu de Dezembro de 2012 sobre o “Reforço da Defesa da Europa”: uma oportunidade para a revisão da actual Estratégia Europeia de Segurança?

Pela primeira vez desde a “insuficiente e ineficaz” revisão Solana da Estratégia Europeia de Segurança, em 2008, o Conselho Europeu será chamado a incluir na sua agenda do próximo mês de Dezembro uma discussão substancial sobre a Política Comum de Segurança e Defesa, visando o reforço da Defesa da Europa, nomeadamente no que concerne ao reforço de capacidades militares.

Temos esperança de que as altas expectativas postas neste Conselho Europeu “especial” sobre o processo de revisão do planeamento de defesa em curso, iniciado na sequência do Conselho de Negócios Estrangeiros de Dezembro de 2012, não saiam mais uma vez goradas! Mais do que uma data-limite, Dezembro deve de facto constituir um ponto de viragem na contínua e sistemática atenção que os assuntos de defesa devem merecer dos altos dirigentes e decisores políticos da União.

Desde 2008 o Mundo mudou muito e tornou-se mais instável, imprevisível e inseguro. A sua característica principal é hoje a incerteza.

A intervenção no conflito da Líbia sublinhou a contínua dependência europeia do equipamento militar dos EUA e fez sobressair profundas diferenças inter-europeias quanto ao uso da força militar. O facto de a Europa ter sido chamada a proteger os seus valores e interesses essenciais com os seus próprios meios, poderá ser um exemplo para futuras operações da NATO, no quadro da nova doutrina Obama de defesa em que a orientação estratégica prioritária se focaliza na Ásia-Pacífico e Médio Oriente. Ficou suficientemente demonstrada a vulnerabilidade da Europa para assumir esta nova partilha de trabalho estratégico com os EUA, nomeadamente no que respeita às capacidades militares críticas. De facto, mesmo tratando-se de uma pequena operação militar, estima-se que 90% das missões na Líbia necessitaram, de uma forma ou de outra, do apoio militar dos EUA. Este factor de vulnerabilidade merece reflexão e ponderação político-estratégica, devendo ser suficientemente preocupante para despertar os decisores políticos e mobilizar e reorientar vontades e acções da cidadania europeia para a debilidade da sua segurança.

Por outro lado, os cortes substanciais que continuam a verificar- se nos orçamentos nacionais de defesa, aconselham a uma reavaliação das finalidades e objectivos da Política Comum de Segurança e Defesa, bem assim dos seus instrumentos, mecanismos e lições aprendidas. Não é despiciendo notar que desde o início da crise económica e financeira em 2008, os gastos com a defesa nos países da UE, no seu conjunto, diminuíram mais de 8,5%, passando de 200 mil milhões de €/ano para 170 mil milhões de €.

Torna-se portanto indispensável e urgente evitar caminhar-se para uma situação-limite de desarmamento estrutural da Europa, através de um novo impulso e uma nova abordagem, de nível estratégico, da “Iniciativa de Ghent” para o “Pooling & Sharing” das capacidades militares, lançada em 2010 pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa da UE.

A União Europeia é sem dúvida ainda um actor geoeconómico mundial de relevo, mas continua a ser apenas um “anão” político e uma potência regional com escassa capacidade geopolítica para prevenir não só novos desafios, mas também a forma como eles podem afectar a segurança da Europa. É indispensável determinar como desenvolver e sustentar as capacidades necessárias à promoção dos valores e interesses europeus, dando forma a um sistema internacional que assegure a continuidade da segurança e prosperidade.

Em vista da actual contenção financeira e suas significativas implicações nas capacidades militares da União Europeia, a questão principal que se deve colocar é se os europeus estão efectivamente dispostos a desenvolver, de forma coordenada, políticas consentâneas com esta nova realidade, tendentes a reduzir não só as sérias lacunas existentes, como as potencialmente previsíveis no médio e longo prazos. Assim, parece pertinente fazer a seguinte pergunta: pode, neste cenário, a Política Comum de Segurança e Defesa desempenhar um papel instrumental no reforço da implementação de outras políticas da União Europeia, designadamente na área da sua vizinhança estratégica?

No que respeita às ameaças, estas tornaram-se mais globais, difusas, imprevisíveis e complexas, tais como terrorismo, cibersegurança, criminalidade organizada transnacional, pirataria marítima, estados falhados, conflitos regionais e proliferação de armas de destruição maciça, exigindo cada vez mais respostas multilaterais. As profundas mutações da geopolítica global, incluindo aquelas que pisam os umbrais das nossas fronteiras, aumentaram bastante a instabilidade na vizinhança estratégica da Europa, designadamente no Norte de África e Médio Oriente, com a imprevisibilidade da chamada primavera árabe, a instabilidade crescente na Síria-Irão, a contínua desestabilização do Sahel e do Mali pelos militantes islamitas, e o surgimento do papel importante das populações e da sociedade civil na gestão da sua segurança e defesa.

No contexto actual de mudança geoestratégica, a União Europeia necessita de adquirir um melhor entendimento sobre a importância da relação transatlântica e sobre a sua vizinhança estratégica. Torna-se por isso essencial que uma nova Estratégia Europeia de Segurança tenha em consideração o impacto do aparecimento das chamadas potências emergentes (BRIC) e da operacionalização de uma estratégia mais restrictiva dos EUA, que dá prioridade à Ásia/Pacífico e ao Médio Oriente, precisamente no momento em que Washington se debate também com severos constrangimentos orçamentais, que podem afectar significativamente a sua capacidade operacional expedicionária para responder a crises[1].

Não obstante o desvio do foco estratégico dos EUA em relação à Europa, a relação transatlântica, longe de ter diminuído de interesse, aparece hoje ainda mais essencial. Esta nova situação requer uma resposta adequada ao nível do planeamento estratégico das capacidades militares da Europa, por forma a torna-la mais apta a responsabilizar-se pela sua segurança regional. Por isso, a Europa necessita de uma nova estratégia de segurança de longo prazo, que clarifique os seus interesses e as suas preferências estratégicas de defesa e que defina uma visão partilhada do Mundo e uma mesma concepção do papel que a Europa deve desempenhar na cena internacional.

Esta nova Estratégia Europeia de Segurança não deverá ser apenas o reflexo do somatório dos interesses nacionais. Na verdade, uma formulação de “top-down” da visão estratégica global de longo prazo da União Europeia deve ser coerentemente harmonizada e reconciliada com os interesses nacionais. É portanto fundamental que a Política Comum de Segurança e Defesa, para se manter realista, razoável e sustentável, tenha em consideração esses interesses.

Augusto de Jesus Melo Correia
Vice-Presidente da Direcção

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