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Introdução

Desde a crise dos refugiados de 2015, que a imigração tem sido um tema cada vez mais politizado. Durante esta crise, os países europeus decidiram-na interpretar de forma diferente. Foram mobilizados vários conceitos para legitimar as políticas adotadas, desde o humanitarismo à segurança (Krzyżanowski et al., 2018). Analisando em específico a segurança, os imigrantes, os refugiados e requerentes de asilo foram vistos como uma ameaça para alguns países. Quando a relação entre migração e segurança se torna excessiva, os Estados, as elites políticas e os cidadãos acreditam que a migração é somente um problema de segurança. Assim sendo, sujeito a apenas a um conjunto único de soluções securitárias, como a patrulha, controlo e encerramento de fronteiras, ignorando os fatores que levam os imigrantes a emigrar, bem como a externalidades positivas ao nível económico, demográfico e social (Galantino, 2022). Desta forma, pode dar origem ao que se denomina de securitização da imigração.

Um dos países pertencentes à União Europeia, que pode ser um exemplo prático deste fenómeno é a Hungria. A oposição dos principais atores políticos e media húngaros à migração tornou-se saliente com o eclodir da crise dos refugiados em 2015 (András e Gabriella, 2015). Tanto no discurso político, como nos media, retratavam maioritariamente atos de violência e crime (Korkut, 2014). A relação excessiva entre migração e segurança por parte da Hungria, contribuiu para o culminar de relatos de migrantes que viram os seus direitos ser violados por parte das autoridades húngaras. Contudo, a securitização da imigração húngara é e foi seletiva assente em xenofobia, pois se para os migrantes provenientes do Médio Oriente, de África e da Ásia se encontra bastante restrita, já para os refugiados ucranianos, o país alterou a sua retórica.

Desta forma, nesta reflexão pretende-se primeiramente demonstrar que a segurança é parte essencial do processo migratório e não deve ser ignorada. De seguida, abordar o conceito de securitização da imigração, e retratar evidências da sua presença na Hungria. Posteriormente, apresentar brevemente consequências negativas do processo. Por fim, as principais conclusões.

A imigração e a segurança

Iov e Bogdan (2017), indicam que na europa há dois tipos de migração, sendo que o primeiro é ao nível continental e o segundo de países terceiros, considerada mais radical e impactante na relação entre migração e segurança. Existe um consenso na literatura que esta relação foi reforçada a partir dos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001, em seguida os ataques que se sucederam em território europeu, e a crise de refugiados em 2015.

Analisando em específico o cenário migratório do continente europeu, nomeadamente no que diz respeito à imigração irregular, ou seja, travessia de fronteiras de forma ilegal, é inevitável a existência de uma componente securitária relativamente à imigração. Não se quer com isto dizer que a imigração per si, seja uma ameaça, mas sim que alguns indivíduos ou organizações criminosas podem-se aproveitar das condições favoráveis deste fenómeno, para obter ganhos ilícitos.

A própria UE, respeitando os seus princípios de solidariedade, reconhece esta componente securitária na migração, através Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex), responsável por disponibilizar ajuda aos países que mais sofrem com a pressão migratória irregular.

Securitização da imigração

A imigração é um processo complexo, e embora não se limita a questões de segurança, quando a relação entre migração e segurança é levada ao extremo, ou seja, encara-se a migração como apenas uma questão de segurança, dá origem ao que se denomina de securitização da imigração.

De acordo com a Copenhagen School a securitização é um processo discursivo no qual uma questão é “dramatizada” e apresentada como uma prioridade suprema (Buzan et al., 1998). A Copenhagen School refere ainda, que a securitização de algo, neste caso a imigração, implica a existência de securitizing actors, como por exemplo os atores políticos (Buzan et al., 1998). Estes atores têm o poder de influenciar a sociedade e gerar um sentimento de medo perante a migração, especialmente aqueles que estão ligados à extrema-direita (Demirkol, 2022). Contudo, os securitizing actors não são somente os políticos, já que os media também são importantes devido ao seu impacto na especificação de problemas e identificação de causas (Entman, 1993).

Securitização da imigração na Hungria

Na passada crise dos refugiados, foram vários os atores políticos que optaram por um discurso centrado na securitização da imigração. Um dos exemplos, é claramente a Hungria pós-2015. A campanha anti-imigração do governo húngaro liderado por Viktor Órban começou em 2015 assente em mensagens de que a imigração e o terrorismo são inseparáveis, que prejudicava o mercado de trabalho e aumenta a criminalidade no país (Bocskor, 2018).

A visão dos imigrantes como uma ameaça, legitimou a que o governo em 2015 construísse um muro de arame farpado na sua fronteira com a Sérvia, e mais tarde com a Croácia. Em 2018, o parlamento húngaro aprovara a lei “Stop Soros” que atualmente ainda se encontra em vigor, mesmo tendo sido condenada pelo Tribunal de Justiça Europeu. Esta lei criminaliza o ato de auxílio aos migrantes, limitando assim o trabalho das ONGs a prestar apoios nas fronteiras húngaras (Amnistia Internacional, 2021).  Em 2022, uma expressão que comprova que a securitização da imigração por parte dos húngaros ainda está presente, surgiu quando o Ministro dos Negócios Estrangeiros Péter Szijjártó, acusou a Comissão Europeia de encorajar os refugiados a cometer crimes, acrescentando que não se tratava de uma questão de direitos humanos, mas sim de ameaça à segurança (Observador, 2022).

Além dos atores políticos, os media também têm um papel importante na securitização da imigração. Na Hungria, logo após o eclodir da crise dos refugiados, os media pró-governo focaram-se nos aspetos ilegais e económicos da migração, favorecendo uma visão dos imigrantes como uma ameaça (Bocskor, 2018). Galantino (2022), também analisa o papel dos media em Itália e na Alemanha, e conclui que entre 2015 e 2016 a migração estava particularmente ligada com o terrorismo.

Assim, tanto os atores políticos como os media, têm um papel essencial no que diz respeito a espalhar a política do medo, categorizando os imigrantes, refugiados e requerentes de asilo como potenciais ameaças (Fernandes, 2017).

Excesso de securitização, fracasso no respeito pelos direitos humanos

Como referido acima, a issue em torno do conceito de securitização é dramatizada e considerada uma prioridade extrema para os atores políticos e media. Quando acontece promove a que todos os elementos orientados para uma perspetiva humanitária sejam esquecidos, dando origem à discriminação que se assiste. Após um breve resumo de factos acerca da relação entre migração e segurança na Hungria, é expectável que a perspetiva humanitária pouco exista, ou não exista totalmente.

A ONG Médecins sans frontieres (2022)indica que as pessoas que estão entre a fronteira da Sérvia e Hungria estão privadas do acesso a serviços básicos, como também são espancadas e humilhadas moralmente. São vários os relatos de violência e roubo por parte das autoridades húngaras, agravados pelas más condições de higiene e nutrição (Hardigan, 2022). Desta forma, é evidente o desrespeito da Hungria pelos direitos humanos legitimada por questões de segurança do país.

Conclusão

A segurança não deve ser ignorada nas questões de imigração, especialmente quando os migrantes provêm de Estados frágeis. São Estados atrativos para organizações terroristas pela falta de um conjunto de instituições capazes de garantir a ordem e a estabilidade na sociedade, facilitando assim o recrutamento, doutrinação e entrega de armas (Fernandes, 2017).

Contudo, a securitização de uma questão deve ser analisada com cautela, pois como destaca Buzan et al., (1998),associar uma questão à segurança não significa que tenha de existir verdadeiramente uma ameaça real, pois pode ser somente apresentada como tal. Neste sentido, acredito que o debate e discussão deste assunto, deva ser fundamentado em dados factuais entre os atores políticos e os media. É essencial desmistificar algumas das afirmações em torno da migração e segurança, e evitar a propagação da política do medo.

Destaca-se ainda que a relação entre segurança e migração na Hungria pode ser colocada em causa, já que é seletiva e orientada para a xenofobia. Somente alguns imigrantes, refugiados ou requerentes de asilo é que são vistos como ameaça consoante a sua origem ou nacionalidade. Isto evidenciou-se desde a invasão da Rússia à Ucrânia, em que a Hungria demonstrou-se disponível para receber os refugiados da Ucrânia contrariando assim as suas políticas migratórias restritivas contra indivíduos do, especialmente, médio oriente (Público, 2022).

A securitização da imigração discriminatória por parte da Hungria tem resultado na violação de direitos humanos que se tem assistido nas suas fronteiras. Abordou-se o caso húngaro, mas convém salientar que não é o único. Poder-se-ia ter mencionado a Polónia ou também a Itália. Portanto, não é um fenómeno isolado, pelo que a UE deve reforçar o seu papel na gestão das migrações irregulares.

Em conclusão, a relação entre migração e segurança é um tema de enorme complexidade, e não se limita ao atravessar das fronteiras. Nesta reflexão o foco centrou-se nesta componente, contudo importa salientar que há muito mais a ter em consideração, como as políticas de integração eficazes a fim de evitar o surgimento de guetos e sociedades paralelas, que são também questões abordadas na relação entre a segurança e imigração.


15 de março de 2023

Iuri Claúdio
EuroDefense Jovem Portugal


Referências Bibliográficas

Amnesty International. (2021). Hungary: Court of Justice of the EU rejects anti-migrant ”Stop Soros” law. https://www.amnesty.org/en/latest/news/2021/11/hungary-court-of-justice-of-the-eu-rejects-anti-migrant-stop-soros-law/

András, S., & Gabriella, G. (2015). Securitizing Migration in Contemporary Hungary. Working Paper. CEU Center for EU Enlargement Studies.

Bocskor, Á. (2018). Anti-immigration discourses in Hungary during the ‘Crisis’ year: The Orbán government’s ‘National Consultation’campaign of 2015. Sociology, 52(3), 551-568.

Buzan, B., Wæver, O., Wæver, O., & De Wilde, J. (1998). Security: A new framework for analysis. Lynne Rienner Publishers.

Demirkol, A. (2022). An Empirical Analysis of Securitization Discourse in the European Union. Migration Letters, 19(3), 273-286.

Entman, R. M. (1993). Framing: Toward clarification of a fractured paradigm. Journal of communication, 43(4), 51-58.

Fernandes, J. J. A. (2017). Políticas das migrações e os refugiados: desafios e implicações na área da segurança.

Galantino, M. G. (2022). The migration–terrorism nexus – An analysis of German and Italian press coverage of the ‘refugee crisis’. European journal of criminology, 19(2), 259-281.

Hardigan, R. (2022). Migrants cope with freezing weather, violence on Hungary border. Aljazeera. https://www.aljazeera.com/features/2022/2/18/serbia-hungary-asylum-seekers-violent-pushback

Iov, C. A., & Bogdan, M. C. (2017). Securitization of migration in the European Union-between discourse and practical action. Research and science today, (1), 12.

Korkut, U. (2014). The migration myth in the absence of immigrants: How does the conservative right in Hungary and Turkey grapple with immigration?. Comparative European Politics, 12, 620-636.

Krzyżanowski, M., Triandafyllidou, A., & Wodak, R. (2018). The mediatization and the politicization of the “refugee crisis” in Europe. Journal of Immigrant & Refugee Studies, 16(1-2), 1-14.

Lusa. (2022). Hungria anuncia que vai receber e proteger refugiados da Ucrânia. Público. https://www.publico.pt/2022/02/25/mundo/noticia/hungria-anuncia-vai-receber-proteger-refugiados-ucrania-1996825

Médecins sans Frontières (MSF) International. Violent pushbacks at the Hungary-Serbia border. https://www.msf.org/violent-pushbacks-hungary-serbia-border

Observador. (2022). Hungria culpa Comissão Europeia e George Soros por “encorajar” crimes dos refugiados. https://observador.pt/2022/07/04/hungria-culpa-comissao-europeia-e-george-soros-por-encorajar-crimes-dos-refugiados/


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