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Segurança Europeia: Uma Responsabilidade Partilhada

A integração Europeia tem na sua génese as componentes de segurança e de defesa – desde a assinatura do Tratado de Bruxelas (1948), que lançou as bases da União da Europa Ocidental, o primeiro e “principal fórum para consulta e diálogo sobre segurança e defesa na Europa” (EEAS, 2016) – e adquirem atualmente paulatina importância. Apesar de a cooperação europeia ter incidido, essencialmente, desde a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, na cooperação económica (Aguiar-Branco, 2005), face à vontade de aumentar a preponderância da Europa face às demais potências, as Comunidades Económicas Europeias evoluíram para dar lugar a uma União de Estados, a uma Europa dos cidadãos (Aguiar-Branco, 2005, p.19), que apesar de contemplar um longo e turbulento processo de integração política, se afigurava como uma vertente crucial.

Numa conjuntura de segurança marcada pelo surgimento de novas ameaças, de cariz transnacional e assimétrico, a União tem vindo a envolver-se cada vez mais na luta contra as ameaças à segurança global, adquirindo um papel fundamental na manutenção da segurança Europeia. Neste sentido, a definição de uma orientação estratégica comum, com vista a harmonização dos interesses estratégicos dos Estados-membros (EM), no que diz respeito à segurança internacional e à componente da defesa comunitária (CdUE, 2003) assumiu um carácter primordial. Por outro lado, a crescente interdependência entre as dimensões interna e externa da segurança tem vindo a marcar a agenda de segurança, traduzindo-se essencialmente na construção de um espaço desprovido de fronteiras internas, no qual os cidadãos podem circular livremente e em segurança: o denominado Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça. A Estratégia de Segurança Interna (2010) da União prevê, neste sentido, a definição de um modelo de segurança europeu, caracterizado pela cooperação e solidariedade entre os EM. A Estratégia Global da UE (2016) e a Estratégia com vista a criação da União da Segurança (2020) reforçam, com efeito, a necessidade de desenvolver uma visão comum e garantir uma atuação coletiva face às ameaças securitárias, uma vez que constatam que “a segurança é uma responsabilidade partilhada” (CE, 2020, p.27).

Por sua vez, o Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em 2009, regista um conjunto de alterações específicas relativamente à Política Externa e de Segurança Comum. Por um lado, a alteração de designação de Política Europeia de Segurança e Defesa para Política Comum de Segurança e Defesa reforça que os EM têm interesses comuns de segurança e defesa e procuram desenvolvê-los em conjunto. Paralelamente, foram introduzidas duas importantes cláusulas de solidariedade em matéria de segurança e defesa: a cláusula de defesa mútua, que consubstancia o compromisso político de ajuda mútua na defesa do território; e a cláusula de solidariedade,válida em caso de catástrofes naturais ou provocadas pelo Homem, bem como em caso de atentados terroristas.

        Com base na assunção de que nenhum Estado é capaz de fazer face aos desafios securitários complexos da atualidade de forma isolada, os instrumentos à disposição dos EM têm potencial para se afirmar como um mecanismo que permite enfrentar as ameaças de segurança, de acordo com uma abordagem baseada na solidariedade entre os EM. Neste sentido, procurar-se-á refletir acerca do modo como tanto as Estratégias de Segurança da União e os instrumentos da PCSD refletem esta visão estratégica.

As Estratégias de Segurança da União Europeia

Em 2003, o então Alto-Representante (AR) da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Javier Solana, redigiu um documento intitulado Estratégia Europeia em Matéria de Segurança: Uma Europa Segura num Mundo Melhor. A definição desta orientação estratégica tinha como principal objetivo a harmonização dos interesses estratégicos dos EM, no que diz respeito à segurança internacional e à componente da defesa comunitária (CdUE, 2003). A EES veio, deste modo, clarificar a “cultura estratégica comunitária” – ou seja, a conceção, a nível social e político, desenvolvida acerca do uso da força – extremamente importante num contexto de envolvimento de múltiplos atores estatais, que por vezes apresentam interesses e prioridades distintas no respeitante à segurança e à defesa. Afirmando o carácter global de segurança da União, a EES enfatizava que esta deveria ser “mais ativa, mais coerente e mais capaz” (CdUE, 2003, p.13).

            Neste sentido, em 2010, o Conselho Europeu viria a adotar a Estratégia de Segurança Interna da União Europeia, com o principal objetivo de construir um “modelo de segurança europeu”, baseado numa abordagem integrada, caracterizada pela cooperação e solidariedade entre os EM (CdUE, 2010, p.12). No entanto, e uma vez que a “segurança interna está, em grande medida, cada vez mais dependente da segurança externa” (CdUE, 2010, p.29), a segurança Europeia não se circunscreve apenas ao que acontece dentro das suas fronteiras: antes, centra-se também nas questões transnacionais que emergem fora da sua área direta de influência, mas que têm um potencial impacto negativo para a sua segurança.

            Deste modo, com base na assunção de que nenhum Estado é capaz de fazer face aos desafios securitários complexos da atualidade de forma isolada, a Estratégia global para a política externa e de segurança da UE, intitulada Visão partilhada, ação comum: uma Europa mais forte, introduzida em 2016, salienta a necessidade de adotar uma visão comum e de agir coletivamente (CE, 2016). Como refere Frederica Moghereni, a então AR para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, “É verdade que os nossos interesses são interesses comuns europeus: a única forma de os defender é por meios igualmente comuns. E é por isso que temos a responsabilidade coletiva de fazer da nossa União uma União mais forte” (CE, 2016, p.6). Este objetivo surge em função da ambição de reforçar o cariz da UE enquanto comunidade de segurança, o que lhe permitiria desenvolver um “nível apropriado de ambição e de autonomia estratégica para ser capaz de promover a paz e garantir a segurança dentro e fora das suas fronteiras” (CE, 2016, p.16).

            A ambição de uma atuação concertada viria  a conhecer um novo ímpeto em 2020, com a adoção da Estratégia da UE para a União da Segurança. Evidenciando que “a proteção dos cidadãos não pode ser alcançada através de ações isoladas dos EM” e que “a segurança de um EM depende da segurança de todos” (CE, 2020, p.1), defende-se a criação de uma União da Segurança genuína e eficaz. As prioridades estratégicas subjacentes à sua instituição implicariam, assim, (i) um ambiente de segurança a longo prazo; (ii) fazer face à evolução das ameaças; (iii) proteger os europeus do terrorismo e da criminalidade organizada (iv) e um sólido ecossistema de segurança (CE, 2020). Por conseguinte, a mais recente orientação estratégica para a ação externa e de segurança da UE assenta na perceção de que a segurança é uma responsabilidade partilhada.

De facto, desde 2009, marcado pela entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que a Política Externa e de Segurança Comum da União se baseia nos princípios da solidariedade entre os EM. Compreende-se, com efeito, que a comunitarização deste domínio evidencia a necessidade de desenvolvimento de mecanismos próprios que permitam atender às prioridades estratégicas definidas pela UE. A estrutura pós-Lisboa da PESC compreende uma série de alterações específicas no âmbito da política de segurança e defesa (Teixeira, 2010): em primeiro lugar, a mudança de designação de Política Europeia de Segurança e Defesa para Política Comum de Segurança e Defesa reforça a coesão e unidade entre os interesses de segurança e defesa dos EM e, com efeito, a ambição de desenvolvimento conjunto das suas capacidades. Ademais, o Tratado instituiu duas cláusulas, com vista a concretização dos compromissos de assistência mútua e solidariedade, a saber, a cláusula de defesa mútua (artigo 42.º, n.º7) e a cláusula de solidariedade (artigo 222.º TFUE). Paralelamente, a atuação da União a nível da gestão de crises foi alargada, passando a elencar um conjunto de missões específicas nas quais a UE pode utilizar meios civis e militares (artigo 43.º). Por fim, o Tratado instituiu o mecanismo da Cooperação Estruturada Permanente, que permite que determinados Estados – interessados e dotados de capacidades – se unam com vista a aprofundar a integração em matéria de segurança e defesa (artigo 42.º, n.º6).

Em suma, as estratégias de segurança da UE espelham a necessidade de continuar a empregar esforços no sentido de reforçar a cooperação entre os EM, com vista a garantir a integridade territorial dos Estados e a inviolabilidade das suas fronteiras, enquanto princípios norteadores da ordem europeia de segurança (CE, 2016). Observa-se, neste sentido, a ambição de traduzir para a prática os compromissos de solidariedade e de assistência mútua que sempre caracterizaram o projeto europeu. Paralelamente, as inovações que o Tratado de Lisboa introduziu no âmbito da política de segurança e defesa da UE evidenciam o esforço de dotar a sua ação externa de mais unidade, coerência e eficácia (artigo 26.º TUE), bem como da instituição de um conjunto de mecanismos que permitam aos EM fazer face às ameaças e desafios securitários de acordo com uma abordagem baseada na solidariedade (Santos, 2016). É, por conseguinte, evidente que os empregue no sentido de reforçar o papel da União como garante da segurança europeia, esta autonomia não se traduz no esbatimento da cooperação com os parceiros representam a vontade de afirmação da UE enquanto comunidade de segurança, o que lhe possibilitaria desenvolver um “nível apropriado de ambição e de autonomia estratégica para ser capaz de promover a paz e garantir a segurança dentro e fora das suas fronteiras” (CE, 2016, p.16).


16 de fevereiro de 2022

Ani Borislavova Davidova
EuroDefense Jovem-Portugal


Bibliografia

Aguiar-Branco, J. (2005). Liberdade de circulação e circulação da liberdade — Inclusão, diversidade e criminalidade na União Europeia. Europa: Novas Fronteiras, 17- 24. Acedido a 10 de abril de 2021 em https://infoeuropa.eurocid.pt/opac/?func=find-c&ccl_term=NANA%3D001000021539&adjacent=N&local_base=GLOBAL&con_lng =por.

Comissão Europeia [CE]. (2016). Estratégia global para a política externa e de segurança da União Europeia. Visão partilhada, ação comum: uma Europa mais forte. Serviço das Publicações da União Europeia. doi: 10.2871/119574.

Comissão Europeia [CE]. (2020). Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a Estratégia da UE para a União da Segurança. COM, 605 final.

Conselho da União Europeia [CdUE]. (2003). European Security Strategy: A Secure Europe in a Better World. PESC 787, n.º 15895/03.

Conselho da União Europeia [CdUE]. (2010). Estratégia de Segurança Interna da União Europeia: Rumo a um modelo europeu de segurança. doi:10.2860/91465.

European Union External Action Service [EEAS]. (2016). Shaping of a Common Security and Defence Policy. In Portal da European Union External Action Service. Acedido a 12 de abril de 2021 em https://eeas.europa.eu/topics/common-security-and-defence-policy-csdp/5388/shaping-common-security-and-defence-policy_en.

Santos, S. (2016). Considerações sobre a cláusula de defesa mútua ou assistência mútua e a cláusula de solidariedade do Tratado de Lisboa. Revista de Direito e Segurança, n.º8, 249-270. Acedido a 26 de fevereiro de 2021 em https://cedis.fd.unl.pt/blog/project/revista-de-direito-e-seguranca-n-o-8/.

Teixeira, N. (2010). A defesa europeia depois do Tratado de Lisboa. Instituto Português de Relações Internacionais, nº25, 21-29. Acedido a 26 de fevereiro de 2021 em https://run.unl.pt/handle/10362/38087.

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Tratado de Lisboa [TL]. (2009). Jornal Oficial da União Europeia C 306/1.

Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). (2016). Versão consolidada. Jornal Oficial da União Europeia C 202/47.


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