1. Introdução
Uma ordem mundial instável gerida por potências revisionistas, uma pandemia em agravamento com um crescente impacto económico e social mundial, e com uma periferia em chamas, o momento é sério para a Europa. O seu apagamento na cena internacional é evidente. A Leste, perante a instabilidade na Bielorrússia, a guerra entre a Arménia e o Azerbaijão, ou a ocupação da Ucrânia, quem de facto determina a situação é a Rússia. A Sul, mantêm-se a paralisia política no Líbano, o caos Líbia, no Iémen, ou na Síria onde a destruição continua. Aí, assumiram a conduta a Rússia, a Turquia e o Irão. O Sahel é um covil do terrorismo jihadista em expansão para sul, perante uma presença tíbia da Europa.
A Estratégia Global da UE já em 2016 tinha reconhecido que vivíamos uma “crise existencial” e foi perante ela que se definiram os interesses europeus e as prioridades para a ação externa da UE. Passaram 4 anos e importa reconhecer o muito que foi feito, mas igualmente quão longe estamos da estabilidade que almejamos na nossa vizinhança e das capacidades que a Europa definiu como necessárias.
Dizia recentemente Josep Borrel, o Alto Representante para a política externa e de segurança da EU que, “nos últimos 10 meses, a nossa periferia ficou envolta em chamas, da Líbia à Bielorrússia. Tudo ficou muito pior do que eu podia esperar”[1]. A questão, porém, vai mais fundo. É que, por exemplo perante a fogueira em curso no Nagorno-Karabakh em relação à qual a NATO já referiu não se pretender envolver, se for pedida a colaboração da UE para conduzir uma ação de estabilização na região envolvendo um número significativos de meios, a União não tem capacidade para tal, como não teve há 25 anos na Bósnia-Herzegovina. Assim, mesmo que no quadro do processo de Minsk se estabeleça um Acordo de Paz entre a Arménia e o Azerbaijão, quem irá garantir a sua implementação?
Após a iniciativa de alguns países[2], o Conselho[3] da UE de 17 de Junho deste ano decidiu convidar o ARVP a elaborar até ao final de 2020 uma análise completa e “de 360 graus”, das ameaças e desafios que pairam sobre a Europa. Essa análise fornecerá o pano de fundo para os Estados-Membros desenvolverem o Strategic Compass[4] (SC) a ser adotado pelo Conselho em 2022. Aí se fará o computo do que a Europa está preparada para fazer.
O SC representa, pois, o esforço pragmático para trazer ao nível político cimeiro da UE um debate, que já tarda, neste contexto internacional tão perturbante, para consensualizar entre os EM “uma forma geral de ver o mundo”, que constitua o ponto de partida para lhe fazer face, e leve ao desenvolvimento das capacidades necessárias para tal.
O processo será iniciado pela Presidência Alemã durante a qual se pretende consolidar e acordar o quadro comum das ameaças e desafios. Passará em 2021 pelas presidências Portuguesa e Eslovena, e será finalizado em 2022 pela Presidência Francesa.
Dado que o passo de definição de ameaças está em curso e o lançamento do Strategic Compass será iniciado pela Presidência Portuguesa em Janeiro de 2021, este texto é uma reflexão destinada a trazer à discussão alguns elementos que parecem relevantes do ponto de vista nacional. É apenas uma análise genérica.
Está organizado em três partes: a primeira apresenta uma caraterização sintética do contexto geopolítico internacional; a seguir analisam-se a postura recente da União Europeia e o conteúdo geral das orientações do Conselho da EU e, no final; apresentam-se algumas considerações que julgamos relevantes do ponto de vista nacional. Sustenta que, neste contexto internacional, é vital unir a Europa para que esta possa ultrapassar as décadas perturbantes que se avizinham, mantendo uma ação coerente e a relevância internacional que deve ter e que os seus cidadãos esperam. Que uma Europa mais operativa na NATO e mais eficaz na estabilização do espaço de fragilidade e violência que a rodeia, são condimentos indispensáveis a um laço transatlântico mais sólido. E, finalmente, que a parceria transatlântica enquanto espaço democrático e base cultural e de valores comuns, continua fundamental num mundo em deriva. Sem isso, a Europa permanecerá basicamente como um espaço económico. No fundo, apenas uma “área de competição[5]” entre as grandes potências, como considerou Mitchell Wess, Subsecretário de Estado Americano.
11 de novembro de 2020
António L. Fontes Ramos
Tenente-General na Reforma, Professor Convidado no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Vice-Presidente do Conselho Geral da EuroDefense-Portugal,
[1] “EU’s neighbourhood ‘engulfed in flames’, warns foreign policy chief”, Financial Times, 13 September 2020.
[2] A primeira referência a esta iniciativa foi expressa pelo Governo Alemão no início do ano, a que se seguiu uma carta dos Ministros da Defesa da Alemanha, Espanha, França e Itália ao ARVP em Maio de 2020.
[3] Council of the European Union, “Conclusions on Security and Defence”, Brussels, June 2020
[4] A tradução seria de “Bússola Estratégica”, porém dada a novidade do termo face ao processo de planeamento estratégico habitual, mantivemos no texto a designação de “Strategic Compass”.
[5] Mitchell Wess, “Anchoring the Western Alliance”, Remarks of the Assistant Secretary, Bureau of European and Eurasian Affairs