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A atual conjuntura europeia é pautada por seis prioridades no investimento público dos países: recuperação do poder de compra das famílias, recuperação das empresas (nomeadamente PME), na recuperação das infraestruturas de saúde (desgastadas pela pandemia), apoio às famílias e empresas face ao súbito aumento dos custos da energia, apoio aos refugiados decorrente do conflito e, last but not least, a modernização dos equipamentos de defesa. Por outro lado, a disponibilização quase permanente de equipamento militar NATO para apoiar a Ucrânia permite dotar as forças armadas dos países vizinhos de equipamentos tecnologicamente avançados e militarmente poderosos, obviando a quota do PIB que se espera cumprida.

A publicação da Bússola Estratégica contribui, em parte, para remediar esta situação, definindo um quadro evolutivo que ambiciona o equilíbrio de forças entre todos os Estados-Membros da UE baseado na inovação e na Investigação & Desenvolvimento, conjuntos, através de projetos colaborativos submetidos aos programas comunitários disponíveis, assentes no ecossistema PME. No investimento em defesa, a União Europeia não se restringe ao Fundo Europeu de Defesa e alarga o financiamento aos programas comunitários que apoiam projetos de inovação tecnológica e digital. Mais ainda, desafia assertiva e explicitamente o Banco Europeu de Investimentos para repensar a análise e financiamento destes projetos. Por fim, alarga esta missão aos capitais privados, da banca ou de fundos. Em resumo, face à exiguidade de capitais públicos para financiar a economia da defesa, existe um conjunto de constrangimentos de natureza regulamentar que limitam a atratividade e operacionalidade dos agentes financeiros (bancos, parabancárias, capital de risco, fundos de investimento, fundos de pensões e outras empresas financeiras) no financiamento deste setor e desta tipologia de operações. No entanto, o financiamento do investimento em Defesa por capitais privados permanece um tabu, uma vez que não é aceite por amplos setores militares, políticos e financeiros.

Esta nova filosofia de financiamento da defesa tem vários entraves ou desafios, alguns do quais se poderão, numa ótica visionária e estratégica, firmar-se como oportunidades de evolução. Destacam-se dois.

O primeiro decorre de um conjunto de normas e regulamentos europeus, associados às finanças sustentáveis. Estes orientam os fluxos de capital para o suporte à transição energética e digital/tecnológica, em ligação a uma gestão prudencial do risco através da aplicação de critérios ESG (Environmental, Social, Governance) aos financiamentos. A pressão sobre o setor financeiro obriga-o a acautelar parâmetros de investimento protegidos, ainda, por assunções genéricas que tendem a reduzir a economia de defesa a um mercado de armas assente no conflito bélico, violento e ancorado nas denominadas “armas controversas”, equiparando-o ao jogo, bebidas alcoólicas e energias fósseis, com as consequentes limitações de funding.

No entanto, algumas instituições europeias estão já em negociações, procurando que esta limitação se mantenha apenas para o subsetor das “armas controversas”. O resultado destas negociações será, certamente, válido para os restantes bancos a operar na União Europeia, abrindo uma janela de oportunidade para que projetos e empresas ligados à economia da defesa possam ser financiados diretamente pela banca. Pode, inclusivamente, ir-se mais longe e estender este modelo de financiamento em contratos-programa com os próprios Estados-Membros, permitindo assim reforçar o investimento na defesa ao nível da percentagem do PIB que se pretende.

O segundo diz respeito à estrutura de decisão dos investimentos neste setor, bastante departamentalizada e burocratizada, levando a que, frequentemente, os apoios se destinem às empresas conhecidas do setor, criando uma barreira à entrada de difícil superação. É uma questão de filosofia e de mentalidades que urge alterar.

Uma das premissas do Objetivo 16 da Agenda 2030 da ONU, denominado de “objectivo da paz”, reconhece que “não pode haver desenvolvimento sustentável sem paz e não pode haver paz sem desenvolvimento sustentável”. Recuperar e colocar a economia da defesa sob um espectro mais sustentável permitirá abrir vias de reposicionamento, de entendimento e harmonização com a sociedade civil, o sector privado em geral e a banca em particular. Para tudo isto, é fundamental uma estrutura alargada de financiamento e uma agenda de comunicação com as partes interessadas mais relevantes para o setor. Importa, assim, substituir conceitos antigos, redefinir e ou separar atividades (subsectores) da defesa e segurança e construir ou atualizar conhecimentos sobre esta indústria e o valor que aporta, bem como reformular mentalidades, permitido que o setor privado possa, de forma complementar e controlada, apoiar os Estados nas suas preocupações e na agenda quotidiana para a defesa e segurança dos cidadãos, famílias e empresas. Mais que uma vontade, este caminho é hoje uma necessidade para um benefício maior e um futuro comum.


Visualização do artigo completo:

A nova Bússola Estratégica: Reflexões em torno do investimento em defesa

The new Strategic Compass: Reflections on defense investiments


16 de maio de 2022

José Alberto Pereira
Secretário-geral da Direção

Paula Feliciano Viegas
Membro da EuroDefense-Portugal

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