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1ª Sessão


A primeira sessão sobre as questões energéticas, dirigida pelo Coronel Eduardo Caetano de Sousa, foi dedicada ao papel da Europa enquanto potência climática e às implicações geopolíticas desta realidade. A ideia de base é simples: a União Europeia, mesmo não sendo o principal poluidor a nível global, deve dar o exemplo e afirmar-se como pioneira na luta contra as alterações climáticas. Devido ao peso que o setor energético tem na produção de gases de efeito estufa, é necessário que a ação climática da UE seja focada nesta área. Desta forma, em 2019, a Comissão Europeia adotou o European Grean Deal, de modo a alcançar a neutralidade carbónica até 2050. Todavia, a adoção deste pacto faz nascer novos desafios e complexidades, não só para a própria UE, como para o resto da comunidade internacional.

Depois da sessão informativa e através da leitura do policy brief “Climate of cooperation: How the EU can deliver a Green Grand Bargain” (Clark, Dennison & Engström, 2021) e do artigo “The geopolitics of the European Green Deal” (Leonard et al, 2021), os estagiários participaram num debate em que surgiram as seguintes perguntas, cuja resposta e conclusões havidas se juntam:

Até que ponto a transição verde, pretendida pela UE, estruturalmente interligada a recursos minerais e metais, geograficamente concentrados, sobretudo na China, não será o assinar de uma dependência sentenciadora e perpetuadora de uma Europa ecologicamente “asfixiada” com o rótulo de “carcaça europeia”?

Com a Europa a produzir apenas cerca de 3% das matérias-primas essenciais para a transição climática, é fundamental que a UE estabeleça relações com os países exportadores desses recursos. No entanto, as indústrias terão um papel importante na transição para energias renováveis, visto que, por exemplo, é imperativo que a indústria automóvel coloque no mercado apenas veículos elétricos para que não haja (tantos) carros poluentes. Tendo em conta que a China é a maior exportadora dessas matérias-primas, é importante que relações entre a UE e a China sejam estabelecidas nesse sentido, ainda que não seja desejável uma dependência, visto que as matérias-primas referidas são essenciais não só para baterias e outras tecnologias, mas também para fins militares. Contudo, não é sustentável, por agora, que a Europa suporte a extração nem o refinamento, tratamento ou o assembly dos materiais, pelo que é necessário que haja uma estratégia clara para que as indústrias europeias possam participar em uma ou várias fases da cadeia de produção destes materiais.

Que medidas a UE terá de adotar para assegurar uma transição energética “justa”, com a utilização de fontes limpas de energia e, ao mesmo tempo, eficientes, já que muitos Estados-Membros estão preocupados com a distribuição dos custos e benefícios dessa transição?

Os Estados Unidos da América foram precursores na proposta de uma transição justa entre estados, mas a realidade comparada com a União Europeia é distinta: a UE tem bastante regulamentação e a transição justa é uma das grandes preocupações da Comissão Europeia, de tal modo que são disponibilizadas verbas para apoiar as populações dos Estados-membros. Em países ainda muito dependentes da indústria do carvão, como a Polónia, mas também a Alemanha e a Espanha, onde a transição terá de ser rápida e súbita para atingir os objetivos da EU de 2030, foi desenvolvida uma estratégia específica para atenuar as consequências negativas sobre esses países, como o desemprego de trabalhadores empregados na indústria do carvão.

Como pode a UE conciliar a sua ambição de liderar a luta contra as alterações climáticas e a dependência numa parceria com os EUA como impedimento de retaliação comercial às medidas do Green Deal?

Os EUA reconhecem que a UE é a grande pioneira na transição climática, mas ainda assim o país é uma grande potência mundial energética, como grande exportador de petróleo e gás e, portanto, seria afetado pelas medidas protecionistas europeias. É difícil impedir a retaliação comercial por parte dos EUA, visto que, apesar de estarem interessados na transição, o país sabe que grande parte da sua riqueza e hegemonia resulta das exportações de energias poluentes. Dito isto, a melhor estratégia seria internacionalizar o Green Deal e envolver os EUA no projeto.

Como é que a UE conseguiria internacionalizar o European Green Deal? Os 10% dos MFF 2021-2027 indicados no artigo “The geopolitics of the European Green Deal”, cerca de 60 milhões de euros, são um número pensado e que torna a eventual estratégia realizável?

O investimento destinado não é muito grande, dado que a UE está a direcionar o seu orçamento para várias áreas em simultâneo. Por exemplo o investimento em hidrogénio verde é fundamental para a transição verde, visto que não é uma área a que os restantes países deem atenção, devido ao seu custo elevado, ainda que seja necessário para o futuro da indústria e para serem atingidas as metas de neutralidade carbónica. De modo a internacionalizar o Green Deal, a UE pode apoiar os países da vizinhança produtores de combustíveis fósseis que serão afetados diretamente pela transição energética (África, Golfo). Há ainda áreas de interesse global como o Ártico e o derretimento do permafrost, em que a UE pode liderar uma estratégia global, investindo, assim, naquilo que se chama “diplomacia verde”.

2ª Sessão

Para a segunda sessão, o Coronel Eduardo Caetano de Sousa convidou a Engenheira Ana Filipa Godinho para falar sobre o tema “Políticas Ambientais na Defesa Nacional”. Em primeiro lugar, foram referidos os desenvolvimentos a nível estratégico da Defesa Nacional no que diz respeito às políticas ambientais. Em Portugal, a Diretiva Ambiental e a Lei de Bases do Clima dão algumas orientações aos organismos da defesa para encararem estas questões.

De seguida, apresentaram-se um conjunto de exemplos de boas práticas implementadas pela Defesa Nacional focadas no combate às Alterações Climáticas: energia; amianto; economia circular; biodiversidade. Em simultâneo, a Engenheira Ana Godinho elencou as várias certificações da Defesa Nacional a nível ambiental.

Porém, o Ministério da Defesa Nacional depara-se com alguns desafios no que concerne esta questão. Como exemplos, existe uma escassez de recursos humanos com formação ambiental; o financiamento e os mecanismos financeiros comportam sempre uma grande burocracia associada; várias entidades externas desconhecem todo o trabalho realizado nestas questões; existem uma série de condicionantes operacionais; número imenso de instalações e grande dispersão geográfica.

Após a apresentação, iniciou-se um debate e os estagiários colocaram um conjunto de questões à oradora convidada:

Muitos cientistas apoiam a ideia de que o sistema atual impede qualquer tentativa de reversão da destruição do planeta, isto porque o crescimento (económico) encontra-se em trade-off com a conservação do planeta. Como é que Portugal, um país tipicamente pequeno na escala de relevância internacional, pode virar o paradigma e dar o exemplo?

Portugal é um país pequeno, que pode contribuir a seu favor. A nossa pegada ecológica é mais reduzida. Não temos forças militares em número comparável com as grandes potências europeias (França e Alemanha). Temos a possibilidade, dentro da área de defesa, de ser neutros a nível carbónico com a prata da casa. A nível da floresta, dispomos de um campo de tiro com cerca de oito mil hectares. A nível da força área, o planeamento da neutralidade carbónica também já foi alicerçado em distintas estratégias. Contudo, a nossa possibilidade de mudar o paradigma é com pequenas medidas. Com um número de forças armadas mais reduzidas, isso poder-nos-á catapultar para a vanguarda, quando se olha para o número de Estados a atingir a neutralidade carbónica na área da defesa.

De que forma é que as medidas implementadas pela Defesa Nacional podem ter um maior impacto no objetivo de autonomia sustentável a que Portugal se comprometeu?

É utópico assumir que a defesa nacional vai ser neutra em carbono até 2030, pela questão que dispomos de múltiplos acordos em termos de atividade militar, estando essa forte presença militar aliada a maiores emissões para a estatística. Em suma, o empenho das forças armadas em serem mais ativas encontra-se em trade-off claro com a sua pegada ecológica (durante a pandemia, pelo facto de que até militares estiveram em teletrabalho, os dados demonstram uma menor emissão de gases com efeitos estufa por parte da defesa nacional).

Dado o reconhecimento da crise climática como uma emergência, até que ponto é que uma Lei de Bases é suficiente, sendo que carece de legislação complementar e mais concreta no imediato? Com a mudança do panorama parlamentar português, o quão elevado pode vir a ser o risco de declínio da seriedade com estas diretrizes são encaradas?

A Lei de Bases do Clima, por ser bastante recente, não nos dá diretrizes concretas sobre o que fazer ou como agir. Contudo, a nível de defesa nacional, facilitou o trabalho no sentido que a integrou nas atividades que devem ser levadas a cabo para que se consiga atingir a tão ambicionada neutralidade carbónica. O programa EcoAP trará fortes melhorias do desempenho destas metas, pelo que a mudança do panorama político português, por não mudar muito o rumo que foi tecido ao longo dos últimos 6 anos, trará uma previsibilidade (e consequente estabilidade) no que se vai fazer. Não obstante, terá de ser feita mais legislação de forma a incluir o mercado privado dentro destas metas.

Relativamente ao objetivo de “promover o desenvolvimento sustentável” e tendo em conta que as empresas que usam energias não renováveis ou que contenham GEEs têm, logicamente, capacidade monetárias de investimento em tecnologias e energias renováveis diferentes, como é que a UE poderá promover a transição sem recorrer, por exemplo, a sanções sobre consumos excessivos ou degradantes para o ambiente?

Um dos requisitos do estabelecimento entre uma parceria entre o Estado e uma empresa privada poderá passar, no futuro, por critérios como um plano de sustentabilidade integrado dentro dos objetivos organizacionais. Comércio de licenças de emissão de carbono: dar uma carta branca a certas empresas, na medida em que eles podem poluir mais do que aquilo que devem, pagando depois a quem polui menos para manter um total equilibrado. Se não houver um maior controlo do Estado neste sentido, poderemos ter um problema grave daqui para a frente.

3º Sessão

“Control of the Space means control of the world (…). Space is the ultimate position, position of total control over the Earth.”

Presidente Americano Lyndon Johnson (1963-1969)

Na terceira e última sessão, o Tenente-Coronel Pedro Miguel da Silva Costa trouxe o tema da “Geopolítica no Espaço Exterior”. Aqui, foi feito um enquadramento relativamente à dinâmica da atual exploração do Espaço Exterior, assim como da importância do seu estudo no domínio da segurança e da defesa no contexto das Relações Internacionais.

Após uma breve passagem histórica sobre o desenvolvimento da exploração espacial, foi discutido como o espaço veio a ser um vetor capaz de multiplicar o uso da força, uma nova dimensão de poder – complementado outros vetores da geopolítica clássicos, este torna-se também uma arena ideológica, tecnológica, e um palco para dissuasão. Esta multiplicação advém do facto da tecnologia espacial ser capaz de, entre outros, assegurar sistemas de comunicação superiores, assim como a eficácia e eficiência dos recursos utilizados nas operações militares.

Hodiernamente, o espaço é um local altamente contestado e congestionado, não apenas pelos tradicionais atores estatais, mas também por atores privados. Em 2021 foi registado um aumento de 30% nos lançamentos de satélites[1] comparado ao ano transato, dos quais na sua grande parte responsabilidade dos Estados Unidos e para efeitos comerciais. Empresas como a Space X adquirem um posicionamento fundamental nas questões espaciais, que devido a um vazio legal na matéria, ficam quase equiparadas – se não completamente – aos Estados.

A primeira questão levantada foi precisamente sobre o perigo que estas entidades poderão representar uma vez que não foram partes signatárias do passado Tratado do Espaço Exterior:

Face ao facto de termos cada vez mais empresas no espaço, e outras com capacidades militares, não será perigoso não haver legislação para regulamentar o espaço exterior?

De facto, o Tratado de 1967 é uma das poucas bases legais para o efeito. Houveram depois tratados mais singulares a respeito da gestão da Lua ou outras questões particulares, porém nada com a ambivalência do anterior referido. Como mencionado, estas não fizeram parte signatária, havendo então um vazio sobre a (i)legalidade da sua ação. Ademais, no âmbito daquilo que são as Relações Internacionais, deve ser salientado o facto de que alguns países já desenvolveram leis a respeito da exploração espacial enquanto outros ainda estão muito aquém. O Luxemburgo foi aqui mencionado como um exemplo europeu de um Estado com leis espaciais em bom caminho de desenvolvimento, vários satélites em órbita e sede para também múltiplas empresas espaciais. E de facto, sim, é perigosa a falta de garantias que num futuro próximo uma destas empresas não alcance algo assinalável – como a chegada a Marte – e afirme “isto é meu”. Para salvaguardar o Sistema Internacional de possíveis situações semelhantes, há um comité na Organização das Nações Unidas encarregado de discutir estas questões, porém com pouca eficácia devido a questões de unanimidade. Neste contexto é importante perceber a premissa de que atores espaciais são não apenas quem coloca os satélites no espaço, mas sim quem faz utilização deles/da sua informação.

Em follow-up, uma questão coloca a validade do Tratado em debate: Uma vez que o Tratado de 1967 está algo que obsoleto (tendo em conta, entre outros, este vazio legal privado), por que motivos não é lavrado um novo tratado?

E aqui a resposta é tão complexa como simples: a necessidade de unanimidade entre os contratualistas acaba por ser uma peia. Outrossim, atores como os Estados Unidos fazem uma pressão considerável para o seguimento do status quo uma vez que aproveitam a liberdade que este lhes garante. Isto é, um novo tratado traria quase que obrigatoriamente quotas de satélites, questões de transparência na utilização destes (o seu verdadeiro propósito), responsabilidades em relação à limpeza do espaço, entre outros.

A questão energética advém do incógnito que ainda é em grande parte a exploração de minérios no espaço. O Tenente-Coronel indica aqui que ainda estamos numa fase de “projeto” em relação à exploração destes, porém que grandes riscos virão assim que for possível a extração e o transporte para a terra de novos materiais e prováveis fontes de energia. Referiu ainda que, “assim que uma empresa começar a transportar matérias-primas e metais preciosos para a terra, seguirão muitas mais”, e mais uma vez caímos no sublinhado vazio legal.

O último ponto levantado alicerçou-se no papel da União Europeia para a mencionada regulamentação, com os esforços traduzidos no Tratado de Lisboa, e nas oportunidades que Estados europeus possuem para serem potências espaciais. Nesta disposição, foi questionada qual deverá ser a postura de Portugal relativamente ao aproveitamento das condições do país (como o fator localização) para se “lançar” para o espaço. As conclusões foram particularmente positivas, em especial devido ao valor estratégico da localização dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira. Estando no meio do Atlântico lançamentos podem ser feitos de forma segura, uma vez que potenciais quedas cairiam no mar, não colocando em risco pessoas ou infraestruturas. Uma vez que o espaço terrestre nas ilhas é relativamente escasso, e seria difícil a construção de todo um cluster aeronáutico e aeroespacial, uma boa oportunidade para Portugal será utilizar as ilhas para o efetivo lançamento dos satélites e ademais, enquanto que toda a preparação dos componentes se mantivesse em Portugal Continental e se fizesse depois através de barcos a travessia – usando o caso francês entre a construção em França (Toulouse) e o lançamento na Guiné-Francesa como exemplo. Esta é uma oportunidade que Portugal verdadeiramente deveria considerar, uma vez que existem grandes empresas que já demonstraram o seu interesse em fazer lançamentos através dos Açores (como a Americana Virgin Orbit e a Alemã OHB, entre outras).


Joana Good da Silva

André Oliveira

Mário Ramada

Francisco Ferreira

Bruno Saraiva

Rodrigo Castro


[1] Informação retirada da página Geospatial World, disponível em https://www.geospatialworld.net/blogs/how-many-satellites-are-orbiting-the-earth-in-2021/


NOTA:

  • As opiniões livremente expressas nas publicações da EuroDefense-Portugal vinculam apenas os seus autores, não podendo ser vistas como refletindo uma posição oficial do Centro de Estudos EuroDefense-Portugal.
  • Os elementos de audiovisual são meramente ilustrativos, podendo não existir ligação direta com o texto.
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