Geopolítica da UE no Pós-Covid-19
A União Europeia parece encontrar-se presentemente perante uma nova encruzilhada, face a um ambiente internacional fraturado, ao agudizar de um clima de rivalidade entre grandes potências e ao redesenhar dos equilíbrios geopolíticos por parte de novos polos de poder que questionam velhas hegemonias, a par do facto da centralidade estratégia ter-se deslocado progressivamente para o continente Asiático.
Com o Reino Unido determinado a voltar a uma estratégia de “balança de poder” na Europa, inspirada na imagem mirífica da “Global Britain” de Boris Johnson. Os EUA de regresso ao multilateralismo, após a deriva nacionalista da administração Trump e uma China e Rússia votadas ao papel de competidores estratégicos, o ambiente parece regredir para uma guerra-fria de geometria variável, onde qualquer um destes países é tratado simultaneamente como parceiro, competidor ou rival, em linha com a recente afirmação do Secretário de Estado norte-americano Antony Blinken, de que as relações com Pequim passarão a ser um misto de “competição, quando for saudável”, “colaboração, quando for possível” e “antagonismo, quando for necessário”.
Num intermezzo do choque entre grandes potências, a Europa, como subcontinente do espaço euroasiático, arrisca-se a voltar à condição de área de atrito e confrontação dos antagonismos e interesses de terceiros. Condição a que já foi votada a sua periferia, num arco de instabilidade que se estende do Sahel ao Médio-Oriente, da Ucrânia à Bielorrússia, no território a que os geopolíticos classificam de mittelland e os russos olham como zona tampão para a sua segurança.
A crise pandémica do Covid-19 veio acentuar estas tendências e exponenciar rivalidades, patentes na competição em torno da questão das tecnologias do 5G e do fornecimento das vacinas, que a par com as questões do abastecimento energético à União Europeia parecem reeditar a retórica da confrontação Leste/Oeste. Paira no ar um clima de guerra-fria sem o suporte ileológico de outrora, com muita mistificação e jogo de perceções à mistura.
Entre o abraço do urso russo, o sopro do dragão chinês e o canto de sereia do outro lado do Atlântico, a UE parece deambular à mercê das sensibilidades sub-regionais, incapaz de afirmar com assertividade uma política externa e de segurança comum, não obstante as expectativas criadas pela sua Estratégia Global e, mais recentemente, com o desenho de uma “bússola estratégica”.
Os desafios que se colocam à UE e, consequentemente, ao nosso país como membro empenhado no seu aprofundamento, aconselham um exercício de prospetiva por parte tanto de académicos como de geopolíticos, tendo inegável relevo e atualidade num momento em que faz falta a produção de pensamento estruturado, liberto da espuma dos tempos e do imediatismo das agendas mediáticas. Estas plataformas de partilha do conhecimento são um espaço privilegiado e o atual momento um incentivo para esse efeito.
A comunidade internacional precisa de uma União Europeia forte e interveniente, com uma voz própria e capacidade de intervenção autónoma no domínio da segurança e defesa, ao nível da sua relevância económica e do papel seminal que este continente teve na edificação da ordem internacional.
23 de março de 2021
Agostinho Costa
Vice-Presidente da Direção